26 de dez. de 2009

nudez rasa

ficar na cama com o calor
e ter o corpo sem envergadura

arrastar todo meu rosto ao suor
na nudez rasa em seu desenho

fluir sempre devagar por entre braços
venerados na linha reta das curvas

estar alinhado como verso
entrelaçado em pernas volumosas

olhar a tarde em névoa quente
deixar-me escorrer por mãos

atentar ao corpo em pouco raciocínio
como simples calor a pele sente

20 de dez. de 2009

identidade


primeiro inventaram a identidade
segundo me disseram que eu a perdi
terceiro digo a todos que nunca a tive.

perdi a identidade, mas só o papel
esta que faz de mim números apenas,
por ela se faz numerologia até.

se vê meu destino, se vê meu espelho
e se sou um todo ou diversas partes.
depois de procurar pela casa inteira

confesso que aqui perdi só a de papel
deram-me pronta como se fosse eu
essa é a que poderia perder, é a que tive

mas ela – que é a única que sempre existiu –
posso ganhar, tirar a segunda via
mas essa outra nunca senti em meu corpo




14 de dez. de 2009

Corpo que escrevo


o verso se volta para você
quando nossas mãos cruzam
a ver meu rosto desnudo nos roçar

mas não somos um único em fusão
estamos um entre o outro
como a luz perpassa o vidro

como a hora de ser o dia.
deitado na calma de transpirar
sentir-se tranquilo e ir pela saída

é quando me volto para mim
e porque saio de mim evaporando
torno úmido seu corpo que escrevo
fotografia de Jefferson Bessa

6 de dez. de 2009

SALVAR



retirar-se do perigo
dos abismos
das doenças
dos dragões
nada tem a ver com salvar

livrar-se do maldito
dos cinismos
das crenças
dos ladrões
nada tem a ver com salvar

salvar é acariciar o indesejável
brincar no meio da rua
desejar todos os sexos
ou ainda
viver o remédio como
se vive a moléstia
comer a hóstia como
se bebe vinho
ou ainda
ser preto no branco
como sal entre areia escura

salvar é deixar em ruína
tudo que é seu tempo.
é deixar em silêncio
o som nos tímpanos





29 de nov. de 2009

Minha Letra é Outra: um novo poema em novo blog


Clique AQUI para ser direcionado ao outro blog que construí. Ele foi elaborado exclusivamente para a publicação de um poema escrito por mim e intitulado "Minha Letra é Outra". Por enquanto, o poema é composto por oito cantos.

Abraço a todos.

Jefferson

20 de nov. de 2009

Encontros


foto encontrada na net sem referência

nada origina um movimento

nada por si se move

nada o outro move sozinho

nada se move sem mover

nada sem mover é movido.

sem motores, sem ação

inércia ou lugar

nada vive em solidão.

12 de nov. de 2009

Buscar


hoje ficarei em casa

de antemão sei que nada vou achar - não sairei

até iria se não buscasse nada, mas hoje insisto em procurar - como quando perco algo em casa

se tivesse perdido alguma coisa, não hesitaria a sair, é certo!

ainda que eu não encontrasse e provavelmente não encontraria. mas saberia o que buscar

pensei em inventar algo para procurar. hoje, contudo, não posso

então estou aqui e escrevo isto – e com isto escrito não busco nada

afirmo: ao terminar de ler nada encontrará. bastaria ler sem esperar nada; assim como eu escrevo isto

nem penso mais no que deve ter de agradável ou desagradável em não buscar

começo a curtir isto que não leva ao fim de nada

então fique certo de que não há nada aos pés do que se lê
no fim dele não há saída, porque não sairia por nenhuma porta que não tivesse entrado

não procuro saída

surge agora o que não busquei - não é contemplação, nem epifania
nem vou buscar saber o que é!

no entanto, eclode a forma de mim e por ela saio pleno.
basta ler:
é só não sair para conseguir sair, por isso agora sairei
vou à rua

(Jefferson Bessa)

* figura que representa o ajna

5 de nov. de 2009

Comentário de Rogel Samuel sobre o verso-corpo de Jefferson Bessa

Escreveu Rogel Samuel:


Jefferson Bessa escreveu um dos seus melhores poemas, o mais erótico, o mais interessante.

Na realidade ali vejo, ali leio um ato copular, excelente e sensual. A poesia erótica fina, que tem sua própria estética, como escreveu o autor: "Penso que os melhores são os que fazem do erotismo uma própria estética...pensar na constituição de um verso com o erotismo que há no corpo humano e, por outro lado, o verso que se torna erótico por ser também um corpo ao lado de outro corpo - o corpo humano".


Nada melhor, nada mais sagrado do que a expressão do corpo humano, com seus músculos, com seus braços, ombros e mãos, e mesmo o "verso vigoroso". Difícil é esta arte de expressar a erótica da arte, ou seja, a estética erótica.

São poucos os escritores de eros, poucos que sabem (de sabor e de saber) dar conta do corpo de prazer.

Os antigos gregos o sabiam. Os grandes iogues tântricos o praticavam. Nossa civilização foi perdendo e desgastando e corrompendo esta arte fina.


verso-corpo

Jefferson Bessa

no vão do braço
no vão dos músculos
o verso sobe e se deita

na contração natural se esvai,
na linha de fibra cordial
o verso desce e desliza

ombros e mãos se elevam
tudo recebe assim afável
a cavidade crescente cortês

o corpo se abre como assento
nele aqui deixarei se sentar
o verso ofertado e mais vigoroso

4 de nov. de 2009

verso-corpo

Fotografia de Jefferson Bessa

no vão do braço
no vão dos músculos
o verso sobe e se deita

na contração natural se esvai,
na linha de fibra cordial
o verso desce e desliza

ombros e mãos se elevam
tudo recebe assim afável
a cavidade crescente cortês

o corpo se abre como assento
nele aqui deixarei se sentar
o verso ofertado e mais vigoroso

29 de out. de 2009

palavra grão

CLIQUE SOBRE O TEXTO SE QUISER AMPLIAR.

21 de out. de 2009

NU




deslizo a nudez de muitos corpos
desenrolo olhares na audição do traço braçal
e ando por muitas pernas
delineando todas as partes com o dedo - como quando se pinta cores

me agarro em muitas mãos e as passaria no corpo
como as águas descem
como um escultor por mil vezes sentindo a pedra

se esqueça de mim sem pose
quem vê é o corpo do meu olho rolando como pedras
submersas ... soltas
neste rio





Fotografia de David Myers.

14 de out. de 2009

6 de out. de 2009

Atraso

Sempre que tento
Escrever dia
Chega
A noite

Sempre um verso
Já é
outro
Quando relido

Diversas chuvas
Dentre paredes
Ouvi
Sem chuva

Pelas distâncias
Tudo diz
Vagarosamente

É quando deixo
Um atraso ficar
Para o que passa

27 de set. de 2009

Versos de Agora



num dia desses em que tudo é simples

disseram-me sobre as musas

pensei então que me poderiam dar um presente

- e me saiu um sorriso no canto da boca –

então quis abrir o esquecimento.



e assim me fizeram lembrar do que esqueço

contudo aqui não tenho o que tirar da memória

abro então o presente

e me chegam versos de agora

esses que têm os passos nas palavras

16 de set. de 2009

Duna

fotografia de Edward Weston - Black Dunes
1936


Deste pouco de tinta
Espalhada na folha
Se ergue sobre linhas
Arqueada de corpo
Esta imensa duna.
Aqui vai se compondo
Em lento movimento

De letra a letra
Abrindo vazios
Assim ocupados
Por verso contínuo
De fragilidade
Que se firma sempre
Em intermitência.

Por entre grãos
A duna sobe.
Palavra reta
Na superfície
Das várias curvas
Então alinhadas
No cruzamento

Vertical
No horizonte
Curvilíneo,
Percorrendo
Lá e aqui
Nos declives.
Não há jeito:

Se move
Agora
A duna
Escrita
Aqui.
contudo
se vê:

é

es
va
in
do
se

6 de set. de 2009

O Muro


só compreendo um muro
vendo o homem primeiro
sentado em meio aos montes
- em abrigo receoso

só compreendo um muro
se vejo esse mesmo homem
pisando a marcação
na vertigem das posses

só compreendo um muro
pelo medo nostálgico
do homem que via o sol
se pôr antes da noite

só compreendo um muro
se a guarda do que é cerco
fecha-se atrás das costas
e arrasta um deus pesado
(Jefferson Bessa)

26 de ago. de 2009

Vou sair. Andar.



É como entrar numa sala sem ser chamado
Ouvir uma voz estrondosa que não diz.

Minha vontade sempre me embaça. Fico no além.

Assim entrei em tantas salas e saí sem saber o que olhar.

Mas também não ficarei na antessala.
Não vou esperar.
Vou sair.
Andar.

Entrar nas coisas sem ser chamado não convém.
Convir é quando venho com o que me chamou.

Vou sair.
Andar.
Nem ficarei na antessala.
Esperar não convém.
O movimento, por ora, me convém só ao chão pelo qual caminho.

Quero vir junto com as coisas. Para tanto vou andar...andar. É esse o caminho.

Ficar quieto. Prestar a atenção ao que me chama.

Penso se haverá algum vocativo para eu ouvir...
Mas não há. Quando me aquietar não haverá nenhum vocativo.
É certo. Nenhum vocativo.
Chamar é nomear. Não quero nomes apenas. Não haverá só chamado, portanto.

Andando ouvirei o convite do que me cerca.
Do que me cerca, não. Nada me prenderá.

Andando ouvirei o convite do que me move.



(Jefferson Bessa)

17 de ago. de 2009

A Harmonia na Leitura de um Clássico


Existem excelentes poemas que são leituras a partir de textos clássicos. Acredito que nessa relação direta não há nenhuma angústia, nenhum combate de leituras, nenhuma oposição. Ao contrário, percebo, ainda quando o poeta se distancia inteiramente do poema lido, uma grande harmonia. No que se pode identificar destruição ou guerra vejo somente o artista tentando criar no seu tempo, na sua forma, pois aquilo que se tornou modelo a ele não se adapta mais.

A referência a um outro texto por si só já apresenta o acolhimento ao clássico. Mas que nada tem a ver com submissão ou superação (esta ação se ajusta às guerras). Nas artes esse respeito é harmônico, pois se aprende que cada diálogo simplesmente se faz porque surge uma criação - surgindo também um gesto que se eleva. Mas tal momento somente acontece quando o artista se conhece desconhecendo-se. Trabalho dificílimo.


Uma grande obra, nesse caso, acontece pela grande harmonia que um artista que se propõe a criar a si próprio. Essa harmonia se constitui também por um grande diálogo que não se opõe à tradição, mas que se harmoniza com os clássicos. Com isso se pode verificar que uma obra se constrói não pela oposição, mas por um acolhimento do outro.


Ler o outro é se permitir a aprender a conhecer por desconhecer a si próprio. É um caminho que precisamos atravessar atentamente. Sendo assim, não é um confronto que restringiria o outro a um elemento opositivo. O que há de criação se perde caso se dê valor ao que há de contrários. Certamente um jogo dialético limitado e violento. Diante de um traço harmônico de leitura se vê a tentativa de um poema fazer jus a outro. Um poema que se volta para um clássico se torna grande por um traço que ressalto no momento: a leitura harmônica que faz criar um outro seu. Na verdade, a leitura é esse grande  esforço por alcançar. 


Jefferson Bessa



8 de ago. de 2009

Poema


Caminha, poema, ainda mais e mais incendeia todas as línguas:
Essas grandes que falam
Da tua poesia

Como de lógica.

Leva em suas costas só a bolsa pendurada com o peso da poesia
Nos teus braços, deslizando
No que envolto

Dele é físico.

Caminha, poema, a uma viagem sem chegada. Passa sozinho
Para ouvir o mundo que ao teu lado
Diz nada saber

De traços últimos.

Limpa os corredores de tua poesia trancando as portas da poeira
Dessas vozes altas das verdades
Que tua forma queimam

Como lâmpadas.

Caminha, poema, pelo chão não canses de teus passos lidos
Amanhã logo após a chuva
Tuas letras ficarão

Apenas úmidas.

26 de jul. de 2009

Ver Palavras

ver palavras flutuando
       nada tem de luta vã
               nem mesmo qualquer luta há

fluem num movente
      repouso como átomo:
               dispersas - unidas

sem forças.

não ficam, não fogem
        e ao redor só a paz
                na calma de ouvi-las

sem fim.

chegam sem bater
         espalham-se, deitam
                 e embora se vão

vivem sempre assim:
          movimentos plenos
                 apesar de mim

quando me falam ou não,
          aqui vêm - pousar, voar
                   -vou largar a porta aberta.



17 de jul. de 2009

verso-serpentina

Pierrot - Pablo Picasso


(enquanto festejam lá fora
eu aqui sentado escrevo
e sinto sentado.
quatro da manhã
depois de já dormir
penso na vaidade de um verso
que se quer registrar,
que se quer lido)

então um verso-serpentina
enrolado ao tempo breve
feito para jogar ao chão
em ondulação aérea

ouvindo
um verso claro
- que em seu curso

se evapora na dança de fazê-lo
como quem brinca
- sem fantasia,
sem co
(memoração)


Jefferson Bessa

7 de jul. de 2009

A NOITE DA RUA


A noite da rua sinaliza ao meu passo
A clara ausência do que a faz rua

Com semáforo ligado para ninguém
A rua sinaliza para mim sua face

Por ela só o vento faz os cruzamentos
Com um som passante dentre as árvores

A rua da noite assim segue a ela mesma
Como trilha que não é de nenhum carro

Sob seus olhos sou o que passa
Simples no andar vagaroso das pernas

E sua única seta indica paredes calmas
Como os muros do meu corpo

Entre nós nada além do que se mostra:
Atravessamos um ao outro

Agora temos entradas e saídas -

Por entre portas nos passamos

Jefferson Bessa

27 de jun. de 2009

O beijo

Esse meu beijo julga ser outra coisa. Mas hoje o dia está quente demais...

Não foi um beijo. Foi mal dado. Nele havia um gosto de sonho.

Havia um odor exagerado de fome como morte. Tinha um gesto de quem reverencia uma imagem no altar de igreja. Era de uma temperatura ácida ou gelada ou doce demais.

Era um beijo sem corpo sem volúpia sem gelo.

Se o dia estivesse fresco...

Beijei como quem põe os lábios num copo. Se fosse num cálice
seria o mesmo.
Se no copo tivesse conhaque Ou água Ou chá
seria o mesmo.

E continuo a pensar nele.

Se me beijasses agora? Farias dele qual beijo?

De muitas alternâncias me restou um nada do beijo. Da minha segurança estou já dilatado no vai-e-vem dos grandes beijos.

Mas foi um nada que dele aconteceu o beijo.

E vejo muitos deles – um beijo de Brancusi.
Um beijo blues.

Fazer do beijo o estilo do nada ou da falha ou da escolha. Quantos?

Então um nada dele:
Antes ainda havia a vontade de beijar como um gato bebe lambendo leite fresco.
Como um cão de rua bebe água em poça de asfalto.

Vou morrer querendo.
Por que não beijei com um sonho de beijo?
Poderia também ser um beijo nu: como quem prova um pêssego.

Entreguei-o por inteiro.


Mas foi um nada de beijo.

Jefferson Bessa

23 de jun. de 2009

Rogel Samuel Ao ler Jefferson Bessa


é à noite que os fantasmas da falta
se instalam nos espaços
e sobre seus traços cegos
nos alertam

cobre a noite com seu manto
os pontos-luz e de visão
e no arco da cidade adivinho
amores outros, que não faltam

14 de jun. de 2009

A noite ligou


A noite ligou, surgiu:
Nessa hora
Da luz elétrica que desliga
E me faz vigiar

A luz que falta
Eleva-se e pelo corpo
Move a nitidez noturna
Clareando o espaço

Preenche a penumbra
E espalha sua falta
Aos olhos já cansados
Sob a lâmpada do quarto

Pequenas luminárias
Em fulgor próprio,
As palavras crescem
Aos traços-lume do ver

As palavras se acendem
Por entre o ar negro
E por inteiro as vejo
Palpáveis em corpo

A escuridão se fez,
Deixou a noite aos meus olhos
Porque a ela não falta
Nenhum raio chamejante

Mas, ao longe, vejo pontos de luz
As outras luzes da cidade
Que se julgam ligadas
À corrente luminosa do ver

Pobres luzes
Que se ligam e cegam
O enorme blecaute
Que descobre a Noite

9 de jun. de 2009

Rogel Samuel sobre um poema de Jefferson Bessa


seu verso é um espelho:
"eu sonho claríssimo", disse
e todos nós mergulhamos plenos
no seu sonho claro...
e nunca se sonha dormindo
sonho é sempre desperto
é o despertar
quem desperta de um sonho
mergulha no seu sonhar

3 de jun. de 2009

Sonho Desperto


Se sonho uma terra longínqua
Posso por ela caminhar
Sem fantasia.
Ponho a jaqueta do sonho
E protegido por ela
Não acordo nunca
Porque enquanto sonho
Conheço firme o seu chão.

Nunca se sonha acordado.
Sonho desperto é sonho
Que sonha e é vivo
Porque não pensa que pensa.

Poucos homens sonham.
É tarefa muito justa
Viver um sonho sim.
Muitos poetas sonham
É certo!
Mas um sonho
De sonhar acordado.

Eu sonho claríssimo!

Passeio em terra longínqua
E conheço grandes ruas
Infindas, embaçadas.
E por elas homens de pele cinza
De rosto contornado
Olham e cantam comuns.
Um sonho! Não o penso
Porque seria outra terra.
(Jefferson Bessa)

30 de mai. de 2009

Poema de Jefferson Bessa sobre fotografia de Rogel Samuel

Fotografia de Rogel Samuel
Ponto luz
Poema de Jefferson Bessa


ponto luz
no dia ofuscado,
na noite negra da alma.

um sol
um cometa
meus olhos.

uma bola de fogo
um amarelo
a luz do dia
o ouro.

um ponto iluminado.

aura que flutua
amarela, forte
e dança
a alma de luz.

23 de mai. de 2009

E fico assim


E fico sempre
Na rasura
Do raso desta folha.


Nenhum rabisco rasga o profundo
Ilimitando o instante.
Nem há abismo nesta folha.


E assim fico sobre.
Olhando para cima
Às vezes para baixo,
Para os lados.
Mas sempre
Fico assim
No meio
Flutuando
Em papel.
(Jefferson Bessa)

13 de mai. de 2009

Face da Letra


caráter é a face
gravada na letra
que se diz exata
pela linha que ela
se ganha e se despe
do que a julgo ser.

e como desenho
retira-me a posse
de expor o que é.
e como desenho
dá ao mundo a certeza
de estar na palavra
.
(Jefferson Bessa)

1 de mai. de 2009

A chuva passou e fiquei

..
Dormi para criar.
Criar a mim também.

Em letargia inquieta
Escrevia com mãos
Mais trêmulas do que
A forte chuva rápida.

A chuva passou e
Fiquei repetitivo
Em gotas fantasmáticas
Impregnadas, firmes.

A chuva passou e
Fiquei detido ao som
Da chuva que acabou
Por inundar meu quarto.

A chuva passou e
Do que é transitório
Ficaram estas cordas
Na cama com meus sonhos.

Dormi para criar.
Criei dor de cabeça.
(Jefferson Bessa)

18 de abr. de 2009

PAPEL ESCRITO



um papel escrito
à minha frente
tem o peso leve
do vir ao mundo.

um papel escrito
que se completa
grita o som do dia
sem pôr o fim.

um papel escrito
é esta palavra
rasteira nos úmidos
planos da mão.

5 de abr. de 2009

Miragem


Quem se vê iludido
Vive a soberba
Na miragem da vida que não foi.
Poetas vivem assim:
Não são poetas – são miragens!
Enxergam a milhas
E entram todos na histeria
- Sedentos de morte.
Frustração mórbida
Do que ele mesmo deveria ser
Do que deveria o outro ser:
Seu corpo é o céu
Faz da terra a senhora da morte
E da vida, consumação.
No fundo
São destroços deitados
Na casa do desatino;
Poeira de sonhos diurnos
Sob a mais forte luz desejada.
Muitas moradas hipnóticas
Eles cantam por aí.
Não sei. Mas se encontro um desses
Dou-lhe um susto!

23 de mar. de 2009

Himalaia

a neve e a montanha no topo 
onde o passeio dos fortes ventos 
encostam com grandes nuvens 
que perpassam a infinda passagem 
entre as coisas e todas elas aos meus olhos 
trazem inseparáveis todas as outras 
quando o primeiro raio de sol 
escorrega com o Himalaia

18 de mar. de 2009

Chuva


Quando em verso digo chuva
Fala-se da única
Ao largo de outras chuvas

Faz-se ela não de água
Mas de som chiado
Na enxurrada de agora
De chuva que é voz

Porque já não a faço dizer
Com (funde-se) ao verso
Então comigo murmura:
Chuva

15 de mar. de 2009

Quiromancia - Rogel Samuel



Rogel Samuel

Jefferson Bessa escreveu:

Quiromancia

abro as linhas das mãos
e vejo o instante
das estreitas linhas
das nuvens com o céu:
assim se abrem
os brancos e as linhas
destes versos


Nas linhas de suas mãos estão as quilhas das suas naves, das aves que voam no seu rumo, no céu está escrito com que e com quem você deve navegar, viajar, as linhas finas de seus versos. A Quiromancia interpreta o presente onde está o horizonte do futuro e o eco do passado, a estrutura do viver. Ali está inscrita e subscrita a vida, a forma do destino, o perfil das nuvens do céu, as linhas e os detalhes das curvas da vida, da sorte, do caráter, da personalidade e do amor. Somos escritos nas estrelas das palmas de nossas mãos, estamos nas palmas daquela entidade, daquela divindade que nos contém e nos escreve.

Nossos segredos estão desenhados nas finas linhas de cada mão, na mão que segura a mão, que transmite a outra mão o seu ter e o seu teor, pois, como escreveu Rosa no Grande Sertão, o que a mão diz a outra mão é o curto, na adivinhação das carícias e segredos através da interpretação das linhas das mãos e dos poemas, que revelam o destino, a sorte da poesia, da fantasia do Passado, Presente e Futuro. Ali registrados estão no formato de linhas de um caderno vivo da carne quente das mãos que se acariciam, que determinam, os nossos estados de consciência.

Palmistry é o estudo das características da poética, a temperatura da música dos nossos versos.

12 de mar. de 2009

Quiromancia



abro as linhas das mãos
e vejo o instante
das estreitas linhas
das nuvens com o céu:
assim se abrem
os brancos e as linhas

destes versos

4 de mar. de 2009

Saber de coração





Se saber de cor é saber de coração
O coração se tornou rouco
Sente sem sentir
Bate num compasso
De não mais sentir quando lembra.
Esse coração se mostrou memória
E pereceu
Esse coração guardou e estalou


Mas agora eu não sei mais saber sem ser de cor.
Pendurei-me numa corda, preguei meu coração
Pois vivo de cor
Falo de cor
(Assim mesmo. Sempre repetindo)
Danço
Amo vejo
Ouço penso
Tudo de cor

Vibro de ternura com o previsível
Deleito-me com flores fixas em vaso
Se saber de cor é saber de coração
Meu coração vive rouco

27 de fev. de 2009

Folha que me olha



Crivo
Nessa folha
Que me olha
Nessa hora noturna
Que eu olho
Para andar
Sobre a hora destas linhas

23 de fev. de 2009

No mar que nada tem a dizer - Rogel Samuel

O escritor Rogel Samuel fez o seguinte comentário
Jefferson Bessa escreveu um poema que diz:

Deixe-me no mar que nada tem a dizer
Deixe enrolar-me
nas ondas que florescem
Cá na beira onde meu corpo
se dobra

Por lá não posso estar
Mas aqui na ponta do mar
desponta o que bate em mim
Em mim que não sou,
Mas que sou com o mar o que brota
em cada baque
seu
neste litoral

Seu mar é seu próprio corpo, nomeado. Nomear é a presença! A impessoalidade é um fenômeno humanamente trágico, embora “normal”, visto no plano poético. Seu litoral é o limite de seu não-ser. Mas o impessoal, que se vê como mar, que tem a consciência de ser mar, ou que tem a sabedoria do vazio, é o poético. Esse vazio, ser mar, nada-ser ou não-ser-nada, quer ser algo: quer ser si mesmo, o resultado de seu esforço por ser-algo é o acontecimento de seu despontar "em mim que não sou".
O que o poema diz é: deixe-me ser como sou! deixe-me ser o que sou!
O nada, ao emancipar-se, ao passar a ser, esbarra na inutilidade de seus esforços do despontar aquilo que brota a cada instante em si, em cada onda.
Todo esforço, que parte de algo que tende a explicar-se, é ser mais, portanto na natureza do esforço mesmo de ser deixado em paz, a partir do nada, reside uma pretensão de emancipar-se, portanto de ficar em paz.
A realidade do poema: o sujeito é o objeto: deixe-me significar o que dei-me de mim a mim-mesmo o direito de ser.
O mar nada tem a esconder, a me dizer, pois sou eu-mesmo que me visto de oceano.

20 de fev. de 2009

No mar que nada tem a dizer - Jefferson Bessa


Deixe-me no mar que nada tem a dizer
Deixe enrolar-me
nas ondas que florescem
Cá na beira onde meu corpo
se dobra

Por lá não posso estar
Mas aqui na ponta do mar
desponta o que bate em mim
Em mim que não sou
Mas que sou com o mar o que brota
em cada baque
seu
neste litoral

14 de fev. de 2009

Na mesma prata reluzente


Quando se vê a lua escrita
Dela cintila plena
Aqui seu brilho ao céu.
Caindo aos olhos
Mantém-se erguida correta
Na mesma altura noturna
Dessa lua daqui.
Na mesma prata reluzente
Dessa lua daqui.
Mas é que a força da lua escrita
Respira a ancestralidade
Da lua que se faz lua.
Quando se vê a lua escrita
A sombra silenciosa
Dela flameja
Aqui sua vida ao céu.


(Jefferson Bessa)

7 de fev. de 2009

Às claras sombras da noite

A claridade da noite clareia. E os fulgores estrelares se movimentam quando clareamos da mesma forma esse brilho que, de um lado a outro, segue. É só olhar para o céu que se verá o passeio de infinitas cintilações. Longe de luzes citadinas e de homens que as escondem, a noite tem sua claridade. As sombrias luzes nunca surgirão assombrosas, pois elas não nos encobrem nada. Por outro lado, em sua insanidade, sob as suas escuridões, muitos homens se escondem – grande refúgio. É que sob essas sombras eles ficam sob as sombras de si mesmos. Essas inumeráveis camadas do sob em que vivem os homens! Aterram-se às noites, formando as suas trevas quando se escurecem da noite e de si mesmos.
A noite não oculta nada! Vejo as sombras noturnas – elas são as suas cores; a suavidade de suas luminosidades; os seus contrastes que são matizes de seus momentos; tornando-se aqui tão claras que aos olhos resplandece. O que se vê é a força flamejante do movimento circular, brilhante e pulsante que possui as estrelas. E todo esse momento se mostra por um movimento tão intenso e vivaz que a noite se torna exultante. Apraz-me retirar da noite as humanas-sombras para consentir as sombras noturnas. Se há poesia nesses instantes? Certamente. A poesia está menos em negar-se ao refúgio delas do que na coragem de ver as estrelas e a noite em superficialidade clara e fulgurante.
(Jefferson Bessa)

1 de fev. de 2009

Meus braços dormem

são meus braços?
quase não os sinto mais
constante dormência
...e dormem realmente!
realmente?
então, é real um braço, uma perna
uma face dormir!
dormem claramente.
são da matéria de uma casca dura
nada brota deles...e dormem
nem respiram, nem exalam
paralisados... e dormem.
jogo-os sob o choque
do sol, do fogo, do gelo
e meu movimento

não me movimenta mais
impermeável fico
perdeu-se a água, o ar
não escorrem, não lavam.
não respiro sensibilidade
dormindo num formigueiro
inteiro e interno que me move
sem me excitar nem hesitar.
passam os orvalhos e o sono e o infinito

e meus braços dormem!

(texto de Jefferson Bessa)

27 de jan. de 2009

Um poema de Walt Whitman

Quando ouvi o astrônomo erudito,
Quando as provas, os números foram listados em colunas diante de mim,
Quando me foram apresentados os mapas e os diagramas, para somar, dividir e medi-los,
Quando eu, sentado, ouvi o astrônomo no auditório em que apresentava sua palestra com grande aplauso,
Bem cedo e sem conta me senti cansado e enojado,
Até que, levantando-me e saindo silenciosamente, fui perambular pela solidão,
No místico ar úmido da noite e, de tempo em tempo,
Mirava no céu a perfeição silenciosa das estrelas.



O silêncio dos astros - Jefferson Bessa

Entre o silêncio dos astros (e do mundo), existe na fala do cientista um conhecimento muito distante do que a poesia conhece. A erudição científica quando assim “fala”, conseqüentemente, suprime o silêncio dos astros. E substitui o silêncio por esta “fala” que pretende elucidar e colocar uma estrela em um papel com leis e verdades que divergem muito dos astros. Apesar da luneta e do telescópio, essa proximidade de um astrônomo aos astros é uma verdadeira distância. A luneta serve às idéias científicas como um instrumento de intermédio para provas e experimentos para apenas certificar as suas suposições. Essa luneta não vê o silêncio das estrelas. Ela “fala” o que imagina um cientista.
E os aplausos e o espaço fechado onde as pessoas se deslumbram aos pés dos feitos do erudito astrônomo enoja e cansa a poesia; como se o público, sendo uma extensão do astrônomo, se fechasse ao exterior para mirar não as estrelas, mas o que faz delas a ciência. O papel em que o cientista escreve difere do papel em que o poeta escreve. O que sabe a poesia é que, ao perambular atentando às estrelas, terá a certeza somente do silêncio delas, por isso a poesia silencia aos pés das estrelas. Por isso, a poesia se retira da sala e caminha pela umidade noturna, pois sabe que a perfeição dos astros está no silêncio – “na perfeição silenciosa das estrelas”. A solidão poética, voltada para as estrelas, traz à sua sabedoria a única verdade: que as estrelas para Whitman são silenciosas assim como é silenciosa a solidão.

21 de jan. de 2009

Enquanto andava na rua

hoje tropecei 
enquanto andava na rua 
tombei, quebrei o joelho. 
mas de que matéria é essa pedra? 
não é mineral, certo! 
sobre este chão, caído 
ainda resisto virado, me viro a olhá-la 
e é de um azul-flutuante 
semitransparente 
e fico com esses olhos que veem 
com as gotas de sangue jorradas no chão. 
se a matéria da pedra for eu mesmo? 
se for do efeito da dor 
ou de uma coloração alquímica? 
de sensações bombardeadas 
ou de manifestação divina? 
ou pedra somente vista? 
desejada? 
ou pensada? 
De quantas matérias se compõe uma pedra? 
Para tanto basta ser uma pedra interrogada! 
(Jefferson Bessa)