22 de dez. de 2015

NU Nº 1

NU Nº 1


deslizar a nudez de muitos corpos
desenrolar olhares na audição do traço braçal
e andar por muitas pernas
delineando todas as partes com o dedo - como quando se pinta cores

se agarrar em muitas mãos e as passaria no corpo
como as águas descem
como um escultor por mil vezes sentindo a pedra

se esqueça de mim sem pose
quem vê é o corpo do meu olho rolando como pedras

submersas ... soltas
neste rio


Jefferson Bessa
Do e-livro Chão da pele (2015)

14 de nov. de 2015

CHÃO DA PELE: SEGUNDO E-LIVRO DE JEFFERSON BESSA



Chão da pele é o segundo e-livro de poesias de Jefferson Bessa. CLIQUE NA IMAGEM PARA LER

14 de out. de 2015

BASTOU PASSAR À BEIRA-MAR


bastou passar à beira-mar
ver atento, ouvir o zumbido,
limpar o banho, o ar, a praia
ver sem brilho e bronzeado.

depois de o sol descer e arder
os olhos viam vermelhos de sal
eram de brasa salina, sanguínea
e não tingiu o rosto do banhista.

mas se podia ver o mar temível
extraindo pernas braços olhos.
o mar - o grande mar - era recuo
permanente nesta sua crescente.

arrastou - e arrasta - banhistas
interessados no lazer dos dias,
mas o mar inundava de sangue
marinho, vinha de águas trazidas

era o sangue de quem chega
o sangue marítimo de extração
o sangue de túmulos de ouro
o sangue de assassinos heróis.

sim, digo que de mim arrastam 
o vermelho de lágrimas e alergias
e o vermelho que tinge o rosto 
de tanto rir de quem na praia fica. 

4 de set. de 2015

O FOGO

A Francisco Brennand *

o fogo se sente ao chegar
pois à vista tudo cresce
mas a plenitude de arder
como sempre está por vir
no forno queima ao entrar.

forno de fogo invisível
escuro claramente feito
por isso também visível:
faíscas de ruínas refeitas.

pela escuridão das paredes
se entra em uma caverna
- fornada - e nela se queima
pois tem paredes de carne
negra vermelha cerâmica.

quem não entra em vapor
na noite desta iluminação
mais luz não poderá ver.
quem sente o intenso calor
esquece a luz do visto antes
para acender o ver depois:
seu escuro o corpo clareia
sente-se oleiro: se faz no feito
pois refeito - feitiço do fogo.

na epiderme fagulham argilas
em água, em ar de conversão.
brasando entre pele e visão
quem entra se desfaz refaz
feito jarro de santuário viver
pois se obra do direto fogo.

no hálito de magia fagulha
acende-se num fio de fogo:
do escuro ruínas se erguem
das cinzas o barro se refaz
e sair se refaz feito entrar:
o que se abre na escuridão
refaz na alma o vir à luz
no oval dos arcos do céu.

mas a plenitude de arder
já que sempre está por vir
queimará ao sair do forno:
o que obra nos faz ovular
pois transfunde todo o ser.


* Na cidadela de barro do artista, existe um forno que foi mantido como parte do museu.

23 de jul. de 2015

OXALÁ

o que sabe quem diz oxalá?
sabe-se de uns sabores vindos
do lado de lá vêm vindo
mas o que sabe? sabe-se lá

quem ouve acolhe o som
o que deve ser? sei lá!
quando se ouve se ouvem
tantos que os vejo oxalás

ora se ouve 'se Deus quiser' 
ao escrever me chega outro
ora se ouve Oxalá - o velho
de cajado - invoca minha avó

de onde também diz 'Tomara'
diz outro e outros deste guia.
como saber quem me guia?
lá vêm ainda, estão por vir

me evocam estas palavras
ou esta palavra? escrevo
agora se pode ouvir chegar
mas que oxalá virá a dizer?

sabe-se disto que vem vindo
no meio de tantas atravessa
uma outra, se escreve vindo
perpassa agora outro Alá

de repente uma criança na rua
passa e me diz: olha pra lá
olhei e muitos ainda vinham
lá vêm eles! olha lá, ah lá!

1 de jun. de 2015

Cruzamentos


lá na esquina 
o arcanjo branco
e o diabo vermelho.
na outra esquina 
são jorge e o dragão.
na outra, dois homens.
duas mulheres, na outra.
nas esquinas da cidade
uma cigana, um índio
um pirata, uma onça.
nas esquinas da cidade
nas ruas, nos becos
nos cruzamentos
a cidade inteira passa
como se passasse
por uma rua das cruzes.

16 de abr. de 2015

A VELHICE ATRAVESSA


esta velhice dos mais velhos
envelhece minha resistência,
pensa até quando vou escrever
sem que a idade não seja abalada
sem que um pouco me dê rasteira

existem os jovens que são jovens
pouco ontem e muito amanhã
mas tão pouco se vive neste afã,
só se tem o que faz de si em si
limitação por ser uma paragem

mas aqui a velhice atravessa
chega na juventude de ser velha
ou na velhice de ser jovem:
ontem de hoje ou amanhã de ontem
ou amanhã no hoje de anteontem

por isso escrevo de me apoiar
por entre os braços de levantar
estas mãos cansadas de jovem
tão leves de caminhar antigas
são passos lentos de novo andar

em gestos rápidos de velho saber
o que se vê do novo envelhece
na audição do velho em nascimento.
a tarde desta manhã me anoitece
passo e esqueço a idade em sorriso


22 de mar. de 2015

EU ANDO ESCREVENDO


Na próxima semana irei reler 
eu ando escrevendo 
muito, muitos versos 
de agora e de anteontem
e outros que andei escrevendo 
também ando relendo versos do mês passado
reli outros do ano anterior.
andarei escrevendo porque escrevo andando
às vezes parado na esquina
às vezes sentado no banco de ônibus

ontem porque este verso lembra
foi quando vi e ando
quando de repente passaram carros
caminhões motos aviões
andavam velozes mas não andavam
mas quando se escrevem eles andam
passavam sentados conduzidos
conduziam a direção que os dirigia
andavam sem andar

mas este verso que aqui se senta
não os conduz à direção alguma:
é que o verso anda escrevendo
como ando escrevendo
hoje desde o ano retrasado
num atraso andante
num agora sentado passando 

ouve-se este poema
quando ele se escreve passeia
ele anda escrevendo e parado caminha
quando lido passa por ponte
segue por ruelas 

quando escreve automóveis
o verso se escreve e anda
desandando carros e aviões e foguetes

21 de fev. de 2015

HOJE ME DERAM DE LEMBRANÇA


hoje me deram de lembrança
poder me ver assim esperando
por muito da esperança saber
viram o ponto final da espera

o que se pode saber da espera?
de tanto esperar me esqueci.
mas sempre alguém me lembra
é quando me armam uma cilada:

de que vale esperar desesperado
se quem me disse zomba de ver?
nele me vejo nesse pobre real
diz que esperarei nesta espera 

esquecido, caminho lentamente
às vezes me sento, me levanto.
quando dizem, querem me assentar
espero demais, ainda me dizem