25 de dez. de 2011

VERSO-OLHO RELUZENTE

eu
mal vejo
a cidade.
juntos mal andamos.
o astro de seus postes
não ilumina o noturno:
fraco é o olho da cidade.
e ainda que ela me desencontre
surgirá um olho em alguma esquina
(não o das portas do comércio que se abrem
não o olho da manhã serviçal dos ônibus
nem mesmo espere que este olho seja o meu)
espere que de uma esquina um dia se possa ver
um verso-olho reluzente pelo espaço vasto
pelas ruas se estenderá assim maior que um alexandrino

13 de dez. de 2011

ELEGIA

já havia morrido quando nasci
o rio que atravessou a infância

mas ainda assim ficava a olhar
a língua escura que ali corria

restaram os contos de um dia
que nos escorriam em banho



as crianças ao pé do rio morto
miravam o céu à espera da chuva:

seria o encontro das fortes águas
arrastaria as mortes flutuantes

mas a chuva veio e miramos o rio
e ficamos na água azul das alturas



movimentamos o céu por vezes
na enchente das sílabas de águas

as crianças entre o céu e o rio
nunca se banharam rio a dentro

já havia morrido quando nasci
o rio que atravessou a infância

30 de nov. de 2011

ANDO MUITO LENTO, MUITO LENTO

ando muito lento
mais lento que a lentidão
talvez mais lento que o animal mais lento
por isso tenho infinitas afinidades
com uma senhora - minha vizinha.
quando saímos juntos, andamos tão lentamente,
andamos numa lentidão superior às fraquezas dos ossos.
superior até mesmo a qualquer retardamento mental.
nessa lentidão especial é que conversamos
caminhamos quase parados

sempre parado, assim fico
sempre parado
como quem não sabe se vai ou se fica
sem saber qual é a próxima parada
tão parado que não sei nem mesmo onde parar

a rua corre, a cidade cresce
a cidade julga caminhar em velocidade
as mensagens voam,
e tudo me faz querer parar

quando olho ao meu redor
e vejo passar o automóvel
ou a nave mais veloz do mundo
sinto-me plantado no chão
empacado como o automóvel mais velho do mundo
identifico-me com uma árvore na calçada
com um camelô no meio do caminho
com um poste, um assento, uma avenida congestionada

a cidade se julga muito rápida
mas subo e desço as ruas lentamente.
alguma coisa na cidade sonha a rapidez
mas nela só há arrastados passos
e caminhamos nas ruas
eu e minha vizinha

dirão que o retardo em mim
provém do excesso de cidade.
dirão que sou um vencido.
mas minha lentidão é inerente
sempre estive lento
demorei a nascer
e nesta cena me mantenho
como um drama sem ato

18 de nov. de 2011

NECESSIDADES

organizaram minhas necessidades sem eu pedir
ontem mesmo decidiram por mim
que preciso suprir todas as minhas carências.
terei de pô-las umas sobre as outras,
numa sequência hierárquica das necessidades
amanhã receberei a tabela do que se deve fazer
minhas prioridades conhecerei amanhã

aparelharam em mim os elementos indispensáveis
aceitei sem saber. Entrei num estado de passividade
como quem se desliga e se liga frente a uma tela.
amanhã serei os corredores de uma empresa
uma mão invisível me medirá, serei os departamentos
passarei como veículo que carrega ou de pé estarei
feito uma estante firme com espaço a ser preenchido

seguirei a viver numa sequência de necessidades
como os que abastecem os sentidos como depósitos
expostos um sobre o outro numa escala eterna
de ir e vir ao mesmo ponto de querer a mesma coisa.
substituíram ordenadamente minhas necessidades
organizaram administrativamente minhas vontades
energizaram meu corpo como uma embalagem

6 de nov. de 2011

PRIMEIRA NOITE

estive por inteiro num corpo
que não conhecia
era a primeira noite

lembro que a noite era
de muita chuva
e hoje me chovem as noites e os dias

jamais saberei quem foi este
tu que vieste
na presença de um sonho
de transpirar

quando acordei
pulsando e trêmulo
encharcava todo o quarto

e já deitado sobre
o lençol branco

sobre a terra estendido
respirei o odor branco de chuva
o cheiro de corpo molhado

do rosto com quem sonhei
vislumbro poucos traços
mas tenho sob a vista
sobre a cama
o instante do sonho
derretido em branco

18 de out. de 2011

VOLTAR

voltar a este quarto
às cortinas
à janela
às toalhas
à cama
voltar ao espelho
voltar como sempre
ao mesmo deste lugar

foi nesta hora
que quase me deixei
ser o mesmo
com os objetos do quarto.
por um momento
quase deixei o beijo
como um passado
e me lancei a dormir
o sono de olhares iguais.
por pouco não me estendi
sobre a cama como roupas
penduradas em cabide.
mas foram essas roupas
as últimas coisas iguais

agora volto
como se estivesse indo
porque a tua nudez,
a tua pele, os teus beijos,
os teus dedos, os teus abraços
o moreno do odor de teus braços
me fizeram voltar
como se nada fo
sse antes




O poema NU (nº 2) foi divulgado no blog Jornal Diz Persivo. Fico feliz e agradecido pela leitura e pela publicação. Para quem quiser visitar, clique aqui.

5 de out. de 2011

SOPRO




da terra
se levanta
o corpo deitado
sonolento e errante
como na hora de dormir

já esquecido de ouvir
sente somente
o sopro
- ao pé dos rochedos
do ouvido –

e o corpo se estendendo
plenamente
ao sopro de vida
que provém
de ti

21 de set. de 2011

DESÇAM GOTAS

desçam gotas
linhas finas
linhas grossas de chuva
desçam pra encher
a rua
encher a cidade
na dança de ir
e vir

(desça a chuva
da chuva

a chuva
de não chover

a chuva
de encharcar

a chuva
dos muitos beijos

a chuva
dos seres que são
e dos que são
uma negação)

desçam longas,
unidas
desçam todas as linhas
da chuva,
que a cidade se inunde
as roupas se molhem
os corpos se encharquem

desça, água
deste céu desça
muita chuva
pra encher
as bocas sedentas
de não mais saber
como beber chuva

desça, água
diluindo
as algazarras silenciosas
das ruas,
das lojas, das bocas.
que as linhas da chuva
desçam
cortantes
fortes
e como tesoura desfaçam
a costura das roupas
para vermos
a olho nu



O poema NU (nº 2) foi divulgado no blog do amigo Sady Folch. Agradeço a publicação. Para visitar o blog, clique aqui.

12 de set. de 2011

ANTENAS



ser uma antena,
não a de casa
não a que cobre
grandes regiões

ser um satélite,
não o dos espaços
que vive o centro
como grande astro

com minhas mãos
tenho dez antenas
com minha língua
tenho apenas uma

com meus olhos
tenho duas antenas
como tenho duas
com meus mamilos

meu corpo acende
agora nesta hora:
meu dedo plugado
a um raio de sol

31 de ago. de 2011

NU (nº 2)


não era o sono de quem dorme
mas o sono de quem me olhava

de olhos cerrados acenou-me
o corpo em relevo se deitava

meus olhos de repente não viam
eram mãos como areia molhada

em umidade os olhos escorregavam
delineando um gesto feito onda

nos traços do outro que agora sou
não apenas transpiro ao teu lado:

o meu corpo em rio repousou
na nudez de teu corpo deitado


17 de ago. de 2011

NÃO SABEREI MAIS


não saberei mais de passados
que consideração o mundo tem com o que se fez do passado?

não saberei de futuros
que prenúncio conhece o mundo?
se o tivesse desenharia um futuro
que seria uma equação do presente e do passado
feito aquelas compensações que os homens acreditam
mas que o mundo desconhece

também não saberei de destinos
quem tem o destino nas mãos são os deuses
e os deuses não são o mundo.
os deuses são muito semelhantes aos homens
sonham e sonham que dominam a correnteza

de hoje em diante sou o mundo
o mundo desconhece e não tem rosto
sou, portanto, apenas um alguém
de braços cruzados
de costas viradas
sem saber

podem achar que essa é apenas a minha vontade
mas se enganam
não tenho vontades
o mundo não as tem
por que eu as teria?

se o mundo for um mar de rosas, assim o serei
se o mundo for tempestade, também assim o serei

pra quem não entendeu
de hoje em diante
sou mundo
pura e simplesmente mundo

6 de ago. de 2011

EXCESSO


por que lavou tanto suas mãos?
chegaram para mim tão lisas
quis tanto sentir o leve áspero
de tudo que em suas mãos tem

por que lavou tanto o pescoço?
chegou para mim perfumado
quis tanto respirar o odor
de tudo que em sua pele tem

não esperei de você o impuro
nem aspirar de seu ar puro
queria apenas sentir o próprio
de tudo que em seu corpo tem

23 de jul. de 2011

CHEGUEI HÁ POUCO

cheguei há pouco
sentei-me sozinho
rabisquei umas letras
mas no meu corpo persiste
um odor
em mim mesmo respiro
o ar de outro corpo

a mistura desperta os corpos
sozinho se sente muito pouco
e agora com o pouco calor que faz
de mim exala o encontro
de odores

recordo-me dos outros
quantos outros odores
ao chegar neste quarto
já pude sentir em mim.
as paredes não lembram
nem mesmo agora podem respirar
o que há
de alheio em mim

nesta noite me deitarei
com as horas misturadas de hoje.
às minhas narinas está o corpo
parece ainda transpirar forte
como as coisas que não vivem sozinhas


***

De Rogel Samuel para Jefferson Bessa:

li há pouco
o seu poema corpo
o corpo do seu poema
as coisas que com o corpo
fazem
li e sonho
com o alheio quarto
do alheio gozo
do poema


De Jefferson Bessa para Rogel Samuel

poema lido, escrito:
que respira
o alheamento
dos olhos, do corpo
do poema.
poema lido, escrevo:
neste quarto
que habitamos.




O poema HINO foi publicado no blog Caminho do escritor do amigo Sady Folch. Fico muito agradecido. Para visitar, clique aqui.

10 de jul. de 2011

HINO

imagino os deuses
reunidos
na minha hora de nascer
imagino as mãos
entrecruzadas
que desejavam me acolher
imagino
como eu chorava
na mão dos que não me agradavam
como eu sentia graça
agradecido
quando a seguir me deitavam
nos braços de outro

fui tocado por tantas mãos
fui assim passando
rolando
por tantas divindades
eram tantos corpos
proviam de tantos lugares
que agora
não me lembraria de um sequer

mas um fato se fez

agora me lembro:
ao meu redor ficaram
os deuses de mãos aquecidas,
envolveram-me
os deuses em corpo bruto
eram todos de beijos
eram de abraços

em meio a tantas mãos
aprendi a ser táctil
hoje sinto
na maneira bruta
vivo num corpo
feito terra revolvida

(ah, deuses dos quais não sei o nome,
nunca me preocupo por onde andais
glorifico-vos sem glorificar
não espero me trazerdes outra coisa
imagino estardes por aí entre ruas e casas
apresentando vossas mãos a quem queira)


3 de jul. de 2011

DE UM TEMPO PARA CÁ

de um tempo para cá
anda com cerimônias
com quase nada no olhar
as mãos estreitas e vazias

não bebe mais do copo
nem dança mais na pista
traguei muito desse corpo
que hoje faz rosto de revista

onde estão seus braços?
aqueles sempre móveis
que tocavam sem esforço
agora nada mais que bíceps

24 de jun. de 2011

DIZENDO COMO UMA CRIANÇA





um homem me disse: o silêncio
é como experimentar a morte.
ouvi a assertiva feito uma criança.
sem qualquer dificuldade afirmei:
por isso nunca se sabe do silêncio
- a morte alguma vez foi sentida?
o que não se sente não é nada

o silêncio, nunca o sentimos
muito do que se acredita não existe:
é como pensar que se sente morto.
isso tudo ficou claro para mim
e o homem adulto, previsível, disse
você parece bastante doido.
respondi: sou doido feito criança

10 de jun. de 2011

UM DIA SE DEITARÁ AINDA



um dia se deitará ainda
manso sem querer pensar
um dia pousará no instante
como um nada que resiste
sobre o pleno de meu corpo
e sozinho chegará
assim calmo, leve e brando
assim fácil, todo e logo
vamos juntos esquecer
juntos levianamente
um dia se deitará ainda
manso sem querer pensar:
um vento qualquer no ar
e irá pousar sobre mim
sem saber como e por quê



30 de mai. de 2011

ontem a chuva veio de trás



ontem a chuva veio de trás
a frente se fez diferentemente úmida
do leste uma luz diversa descia
nada similar aos outros fins-de-tarde

na mistura de um laranja-prata
iluminou casas, ruas, antenas
não havia uma pessoa
todo o resto se deixava passar pela luz
arrastava-se ao ocre da terra
no tempo do verde-azul
visto nos montes ao longe

não era um crepúsculo
não era tarde, nem manhã.
da chuva vinda de trás
a cor desconhecida
por instantes se mostrou
outra coisa – sem nome
não era alguma coisa
era cor – era o que nunca mais se verá

só conheço pelo que já disse
a luz veio do leste
depois da chuva vinda de trás.
não havia sequer uma pessoa
sem definição acontecia
brilhava na visão
uma cor que nunca mais se verá



15 de mai. de 2011

que o sol possui tarefas diárias?



que o sol possui tarefas diárias?
não poderia acreditar nessa ideia
sei bem que eu possuo encargos
créditos e carnês e pagamentos
minhas tarefas visam a este fim
mas que fim teriam as tarefas do sol?

diriam a tarefa de semear e iluminar
mas ele mesmo não sabe o que faz
o sol não possui nenhuma tarefa.
se um dia o sol se apagar de vez
não será por falta de pagamento,
por falta de emprego ou dinheiro

se nós temos a nossa empreitada
o sol nada tem a ver com isso
se um dia o sol se apagar de vez
não será por rescisão de contrato
nem pensará no prejuízo humano.
deixe-o então ao largo deste fardo

melhor esquecermos e como está
sentirmos a luz, sermos amarelos
alaranjarmos nos fins-de-tarde
com ele nos apagarmos à noite
no verão termos a pele morena
suarmos azul, rosa e corarmos

26 de abr. de 2011

O SAL DO CORPO


vagarosamente
    seguir
    pelo estreito
      das fendas,
      dos braços,
        olhos,
        orelhas

banhar
        o pescoço
        e
descer
    ao dorso
      num risco leve
        de só ser
      úmido

esquecer-se
        no gosto
         de ser

aos poucos secar
  e evaporar
    ao dedo
  de teus
pés

passar pelo teu corpo
como uma
    derradeira
      gota
       d’
     água

13 de abr. de 2011

PÔR



ver como o sol no fim da tarde
numa variação de cores tão intensa
que piscar é se deixar em últimos raios
no entre das brechas
de uma casa, de um prédio
de uma pessoa e outra

dos homens que passam andar por entre o vão das pernas
do salto alto da mulher atravessar feito um pouco de ar

(podem pensar que neste modo de olhar
neste modo de sentar existe alguma tristeza.
o que fazer se esse instante é o de se pôr
e esquecer do que em nós também faz se pôr)

do extremo duma ampla avenida
se pode ver melhor o pôr
escorrendo na língua dos raios

entre às cinco e seis da tarde
no fragmento das longas sombras
o sol, a luz, as pessoas
todos assim se esfregam ao rés do chão




*fotografia sem crédito encontrada na net

27 de mar. de 2011

SOBRE A NOSSA MESA

lembro-me das cadeiras sentadas faziam um círculo dançante
fitavam sentadas ao redor
juntos sobre a mesa ficávamos


mas ainda agora os pés balançam
vejo que tremem com o peso
arrastam-se com os beijos
e se lançam no curso da nossa água


nada mais reveste esta sala
a mesa se faz para deitar
de bandeja lançamos à fartura
assim se deitam corpos em prazer

O poema Este será meu cumprimento foi divulgado no blog O pó da escrita da amiga e poeta Maria Azenha. Fico feliz e agradecido pela presença. Para quem quiser visitar, clique aqui.

15 de mar. de 2011

ESTE SERÁ MEU CUMPRIMENTO

acabaram meus cigarros
dinheiro tenho pouco
nem uma pessoa influente de poder conheço
não levarei ninguém a qualquer promoção
portanto, não leia este verso
este poema como um meio,
por ele – que sou eu –
não chegará a nenhum futuro brilhante
nem a ocupar um cargo de bom salário
ou daqueles de excelentes aparências.
não tenho nem como trocar favores
não tenho nada que lhe possa interessar
se for por isso nem mesmo um minuto
vale perder comigo.
não precisa de discrição,
afasta-se rápido
finja em qualquer lugar que passo despercebido.
muitos conhecidos pensam em me querer
- no mínimo do que tenho.
mas não tenho nada, nem o mínimo
nem mesmo um verso rimado
não tenho o que oferecer
pode pensar que me ver
é avistar um rosto de dia de semana
um rosto de olhar cansado o trajeto de uma terça-feira
sim, sou um dia de semana arrastado
sem uma ninharia.
melhor, então, é me deixar jogado num canto
prometo que a partir de hoje
logo que alguém falar comigo
antes de todas as coisas falarei assim direto
não tenho nada – será meu cumprimento



O amigo Rogel Samuel publicou no seu blog o meu poema Um corpo vivo. Fico feliz por estar presente em seu blog. Obrigado. Para quem quiser visitar, clique aqui.


28 de fev. de 2011

como seguir apenas em um barco?


baixos e altos passam os desejos
pelo tamanho de corpos que vejo.
por entre tantas pernas e braços
como seguir apenas em um barco?

sempre aos olhos andam os traços
em muitos sinais morenos, espessos.
dentre as várias pessoas na rua
como poder idealizar uma?

só percebo em você a roupa que entra
se a hora do dia esfria ou esquenta.
mas sempre se desnudam aos olhos
nossos corpos fáceis que descem lisos.

por que todos os dias as pessoas
não se levam a sonhar em todas?

***

O poema de Rogel Samuel para Jefferson Bessa:

porque a beleza está
no imaginar

a imaginação é minha
dentro de mim

o que está fora é uma sombra
a sombra de uma sombra

como na caverna de platão

somos sonhos

os corpos passeiam pelos sonhos

pelo que somos

a lembrar

14 de fev. de 2011

um silêncio de furto




ouvi que os gatos são encantados pelo silêncio
disso não se tem certeza
quem já os viu encantados?
pisam o chão tão indiferentes

mas um silêncio encantado há por trás
de quem anda em passos de se esconder
de quem quer descobrir
roubar a voz das coisas

são esses investigadores do mundo
chegam sorrateiramente pelas costas
desejam conhecer todos os segredos
querem encontrar os meus lados
voar sobre todas as terras
com a fala da minha voz

há neles um silêncio de furto
que poderia me fazer pensar que ouço a mim mesmo



fotografia sem crédito encontrada na net

31 de jan. de 2011

até uma palavra se escrever


até uma palavra se escrever
inúmeras se movem em sentidos
se espalham em críveis significados
balançam falantes, falantes
sobre a balança do poema

mas inevitável no instante
que sacode e oscila
cai a palavra que não poderia ser outra
mas aquela única
que canta e dança feito pluma

A amiga Amélia Pais - do blog Ao longe os barcos de flores - divulgou um poema de minha autoria no blog. Para quem quiser visitar clique aqui.

17 de jan. de 2011

O HOMEM E A PASTA PRETA

I
um homem se sentou à mesa da frente
mais um dentre tantos outros:
com a pasta preta e sentado
não dá conta de que o olho
talvez tenha me olhado para se certificar
como de praxe faz em meio à sua função
de examinar documentos que redige

não seria exagerado, mas de relance pude ver
o modo como olha é o mesmo de quem olha
um certificado, dá por certo e carimba.
existe, sim, um carimbo nos olhos dele
segura o copo com quem agarra uma caneta
o leva à boca no jeito de passar e repassar papéis
e bebe tão forte como se na língua tivesse uma norma

II
a pasta preta o acompanha intimamente
com ela sobre as pernas e por entre os braços
a coloca tão fixa, numa posição tão certa
como uma filha carece de mãos paternas
para se erguer e, suspensa, ficar segura.
me observou por um instante - talvez desconfiado
de que meu rosto fosse um falso documento.
no entanto, eu não o olhava mais.

me restaram ali o chão e um pensamento.
quando me dei p’ra fora os vi seguindo:
o homem e a pasta preta.
andava carregando a alça num balanço de executar.
segurava como se estivesse voltando de um parque
voltando de mãos dadas à sua filha.
lá vão eles - tão dependentes – um dentro do outro
lacrados e perdidos num mesmo passo


O poema "O homem e a pasta preta" foi divulgado no blog "A vida é uma magnólia". Desde já agradeço pela presença no blog. Para quem quiser visitar, clique aqui.

6 de jan. de 2011

UM CORPO VIVO


as cores se abrem do corpo
aberto para mim, para quem o vê.
de súbito, eternamente acordo

à verdade de quem deve abrir-se
não sou eu, nem nós, nem ninguém
porque se quero desfolhar alguém
vejo qualquer coisa inexistente

nem como rosa, nem como cravo
hoje nada arrancarei de sua pele
não perderei, nem perderá um pelo.
sentará frente a mim de corpo nu
e aos meus olhos, sim, libertará
a minha visão já esquecida de mim
para só ver e ver um corpo vivo



Poema escrito após a leitura de um poema de Juan Ramón Jiménez lido no blog Viva a Poesia de Silvio Persivo, que também publicou no mesmo blog este poema que escrevi. Para ler clique aqui.