24 de set. de 2012

LICENÇA POÉTICA




Não peço licença para escrever.
Mas me enviaram
Um documento que me autoriza a escrever
Do modo como eu quiser.
Mas quem o pediu?
Não fui eu.
O oficial à minha porta, impaciente comigo,
Me ordenou que assinasse o papel,
Para confirmar que estou ciente.
Não estou ciente, nem consciente,
Nem conheço esse tipo de ciência em mim.

(Bateram à minha porta
Mas nunca fui à porta dos gramáticos.
Seria como ir à prefeitura da cidade
Receber uma licença para escrever)

Volte com este documento!
Diga que quando escrevo
Não faço nenhum desregramento
Nenhum desvio,
Por que, então, receber essas licenças?
Para liberdades de sintaxe?
Para amplitudes semânticas?
Para possibilidades fonológicas e morfológicas?

Não assinarei o que nunca pedi,
Diga à prefeitura dos gramáticos
Que sou como se não existisse.
Melhor assim do que existir
Sob licença por ser quem sofre de desvios
Concedidos por proprietários da língua.

Quando se escreve não se recebem
Licenças de uso ou de renovação.
Apenas quero escrever poemas
Mas me perdi escrevendo
Das grandes concessões gramaticais...


5 de set. de 2012

SÓ COM O MUNDO TODO



Na curva, na calçada
no meio de todo mundo
no meio, sempre no meio
do mundo, do povo, da rua
andamos com o Só

No quarto recolhido
se escreve o Só
a sós com o mundo todo

Não se deve excluir o Só
mas sustentá-lo à mostra
como ferida aberta de pé

No estar do meio de tudo
somos pontos de muitos
só(i)s pequenos, errantes
iluminando as diferenças
sem drama ou clausura

Na rua cada um é uma ilha
onde os Sós se fazem um Só