13 de dez. de 2013

OS OLHOS COMEÇARAM A PENAR


às vezes as coisas no homem
dão assim para penar.
e na pena de pensar
e de pensar penando 
os olhos começam a penar
como uma vizinha
um mendigo, uma montanha
como pena esta cidade.
de tanto olhar acabei nesta pena
e neste sorriso de canto

(se fosse em branco
como é o branco
não teria pena daquela folha.
mas numa folha impressa
cada pena é a letra da folha.
se fosse folha de poema
mas é folha de jornal.
se fosse folha de árvore
jamais teria pena
mas essa pena é quase
quase uma pena de ave
que na doença perdeu as penas)

às vezes as coisas no homem
dão assim para penar.
como aquele que um dia
esqueceu o leve da pena do pássaro
para dar à pena da composição
o seu grande espírito
que, arrebatado, sentiu dor
e deu à pena a forma de bico
se viu feito um pássaro
mas, sem voo, escreveu
a doença do sentido pena

24 de nov. de 2013

A DOR PESADA


agora já não sei quem sofre mais:
se sou eu ou é a minha vizinha.
ela quis me colocar na balança,
quis comparar quem sofre mais

mania de ser mais em tudo que faz
ela toda é só dores, só calafrios
e minha boca assim calada e fria
sente nos ouvidos os sofrimentos

e como dói estar na dor ouvinte!
uma dor impaciente e irritada.
mas a vejo já sofrida só de pensar
em subir no prato da dor da balança

que pesar é o peso das infecções
de minha vizinha! sem o peso
leve da pena, vive no penar
da sensação doída de existir

que prazer de dor terá em ser mais
no mais pesar da balança ofendida?
talvez o prazer da dor na dolorida 
medida de sentir mais pena de si

10 de nov. de 2013

NOITE DE CARNAVAL E OUTRAS NOITES


voltamos juntos
da noite de carnaval

acendemos velas:
a baixa luz se ergue
o corpo acende

agora se vê:
a parafina brinca
o pavio queima

beijamos muito
no quarto iluminado
brincamos feito serpentina

agora se vê:
vamos descendo

agora se vê:
o branco das velas

descendo úmido
no aroma ascendente 
dos corpos


noites de carnaval, noites - poema de Rogel Samuel
(para Jefferson Bessa)

noites de carnaval, noites
de ruidoso amor
o baticum dos tambores
africanos
os humores eróticos
os tremores requebrados
passistas apressados
nas noites de antigos
carnavais
perfume de lança-perfumes
inebriantes 
fontes
danças de estrelas
na batalha de confetes

requebros noturnos
ruas apertadas
portas abertas

noites de carnaval, noites
de luar


25 de out. de 2013

O e-livro no site Entretextos

O site Entretextos divulgou o e-livro "Nos úmidos planos das mãos". Abaixo está o comentário do site. Para acessar clique aqui. Sempre grato!





Jefferson Bessa é poeta. Já conquistou seu "leitorado", mas como o escritor - ou melhor, a obra que escreve e reescreve - vive do contato verbo-auditivo-visual com os leitores, Entretextos apresenta e-livro de Jefferson Bessa. Quem não leu ainda não sabe o que deixa de degustar. Bom apetite!


16 de out. de 2013

MANCHA


I

mancha de tamanho médio
ferimento castanho, visto 
no lado amarelo da maçã

madura, de pouco vermelho
passou o tempo sem pecado
pois na pele rugosa bem vive

vê-la apenas é pouco, mais:
tocá-la e desligar significados
mordê-la e nos deixar dentro

II

e a mancha que no início
se mostrou muito evidente
como uma pancada no olho?

é o primeiro sinal do maduro?
ou a grande onda de um 
marinheiro de primeira viagem? 

quem viaja não tem escolha
leva e traz no rosto a mancha
castanha, vermelha, amarela

29 de set. de 2013

BRINCO



Este poema faz parte do grupo Carne e vendaval de Carnaval. Ao clicar neste título em Marcadores (na coluna ao lado), os outros poemas poderão ser lidos. 

brinco
me fantasio.
ponho um brinco
em círculo
me enlaço
aos abraços

brinco
simples criança
louco, poeta
ponho um verso
colar no pescoço:
me enrosco
no seu rosto



12 de set. de 2013

NU nº 5


ver já cansou
porque não se entra mais
no templo
de ver na contemplação

mas se ergue logo 
em sentir
quando vem a ser nu
assim no escuro

logo sentir acontece
sem luz e na luz
de tocar, de encostar

nas mãos há muitos sins

24 de ago. de 2013

O POETA PULA COMO O CARNAVAL

Este poema faz parte do grupo Carne e vendaval de Carnaval. Ao clicar neste título em Marcadores (na coluna ao lado), os outros poemas poderão ser lidos. 


o poeta pula como o carnaval
do meio-fio para o meio da rua, 
o poeta pula como o carnaval
para o meio do mundo.
pula de fevereiro para o meio do ano!
pula o verso e no chão se faz
e no meio sempre vai passar.
pula de um extremo ao outro.
e para quem pensa que vai passar
que vai voltar ao normal, pois passa
e que pro meio-fio vamos voltar
grande engano! O verso e a festa 
seguem ao largo, passeando
claramente às escondidas.

6 de ago. de 2013

EU UM BARRACO SUSPENSO


agora deram pra me olhar
eu um barraco suspenso
no morro de qualquer cidade.
visto de todos os lados sou
uma porta que mal abre
já caída se quiser fechar

sob vento sob chuva
sob sol e sob olhares
eu aqui tão sob, tão sub
eu um barraco em linhas
de tábuas e letras e tosco

um dia desse cai de vez
ou melhor, eu mesmo 
armo aqui um barraco
e vou quebrar o barraco
pra fazer cair de vez

eu um barraco no asfalto
faço linhas sem engenho
sem arquiteto, bem torto
por pouco não desabo

se falar mais alto cai
de uma só vez, sem esforço.
sem esforço, sem polidez
esses versos são tábuas
mal cortadas, sem verniz

eu um barraco na cobertura
de frente pro mar de fios
e telefones e carros-carroças.
tudo capengando em belezas
de quem só age pra comprar 

ah, sou mesmo é um barraco.
muitos são os barracos por aí.
pregos soltos e enferrujados
que até pra soltar os bichos
tropeçam e se desmontam

se alguém chegar pra exibir
tudo isso na tevê, já sei:
eu que sempre vivi de má fama
não fará diferença alguma.
vou xingar, blasfemar, vou
chegar bêbado, vou gargalhar

tão fraco e tolo sob telhas
entre tijolo e madeiras velhas.
agora me inventaram pros olhos
exóticos; e são de uma bondade
de tirar algumas fotografias
para me guardar na máquina

fazem pra cá viagens doentes
para ver outro enfermo - 
eu e outro - viagem de bobo
em aventuras de fotografar
a sua e a minha desventura

lembrança mórbida de quem
na memória já é um enfermo.
gente falsa; gente que se diz
de alteridade e de caridade

deveriam dar um trato nos olhos
nessas manias de guardar.
pro espaço essa gente toda!
eu um barraco que não habita
mas que dura assim enferrujado


20 de jul. de 2013

ERA UM CASAL BEM FANTASIADO

Este poema faz parte do grupo Carne e vendaval de Carnaval. Ao clicar neste título em Marcadores (na coluna ao lado), os outros poemas poderão ser lidos. 


lá estão vindo os dois
todos olhavam atentos.
um casal bem fantasiado
estavam de ricos e chiques.
passavam dando chiliques
viravam o rosto, o nariz
num olhar de só frescura.
o homem tinha na fantasia
um carro bem caro, claro!
passava ele com olhar alto
dentro de um carro importado
e, por isso, passava por cima
de todos e de tudo, era rico!
e o povo ria e vaiava
e o povo reclamava
e o povo gargalhava.
no carro havia um informe:
"cheguei de avião particular
descemos no meio desta rua
e o povo inteiro teve que parar".
e a mulher dizia: "eu vim de iate
cheguei hoje para o carnaval
depois de muitas viagens que fiz.
nem sei por que vim a essa pobreza!
saiam da frente, saiam da frente".
queria passar por cima de todos
usava perfume francês 
e vestia um roupa caríssima
mas que havia sido rasgada
pela queda numa rua dessas.
e as pessoas riam.
ela respondeu: não debochem 
se não deixo de fazer caridades.
e o povo ria e vaiava
e o povo reclamava
e o povo gargalhava.

5 de jul. de 2013

DISSE PRA ME ESPERAR

Este poema faz parte do grupo Carne e vendaval de Carnaval. Ao clicar neste título em Marcadores (na coluna ao lado), os outros poemas poderão ser lidos. 


Disse pra me esperar
Mas desceu a ladeira
Te vejo agora de longe.
Não quis me esperar
Fiquei assim sem eira
Nem beira e de monge
Fantasiado ao seu lado
Dança teu novo amor.
Mas agora não espero

Amor vai passando...
Vou descer a ladeira.
A chuva começou
Desmanchou o desespero.
Agora vou descendo...
No som da violeira
Vamos chovendo
Molhando e descendo
No acaso do Amor.

19 de jun. de 2013

POUQUÍSSIMA LUZ


pouquíssima luz
não se vê nem o todo
nem as partes
nada se exibe
nada tem caras e bocas

pouquíssima luz
só na claridade do nu

beijos e mãos
desfocados na nitidez

o rosto do corpo
na claridade do áspero
do úmido

coisa de pele

10 de jun. de 2013

DO MEIO DA RUA SURGIU

Este poema faz parte do grupo Carne e vendaval de Carnaval. Ao clicar neste título em Marcadores (na coluna ao lado), os outros poemas poderão ser lidos.


do meio da rua surgiu
em fantasia de carnaval
o diabo.
não houve medo algum.
com o diabo todos brincaram.
do meio do mundo 
o diabo de repente surgiu.
de pele vermelha
dois chifres e brincalhão.
com o diabo todos brincaram.
entre homem e animal nos veio e disse
inteligentemente para arrancarmos
a cinza do medo
que só existe dentro do homem.
para afastá-la basta apenas
brincar e dançar.
lá vai o diabo sozinho
sumiu no meio da rua
no meio do povo
ele surgiu e desapareceu.


30 de mai. de 2013

DANÇA E BEM SORRI (Carne e Vendaval de Carnaval)


Este poema faz parte do grupo Carne e vendaval de Carnaval. Ao clicar neste título em Marcadores (na coluna ao lado), os outros poemas poderão ser lidos. 


dança e bem sorri
e também franze
a sobrancelha.

sabe bem sorrir
e pra quem atrapalha
faz logo cara feia.

se chamar de palhaço
o povo e o poeta
rápido viramos espantalho

recebemos cafuné
mas não nos faça de tolo.
não fazemos média.

melhor chegar manso,
pois de carne e vendaval
fazemos nosso carnaval.


17 de mai. de 2013

SOMOS MOMOS (Carne e Vendaval de Carnaval)


Este poema faz parte do grupo Carne e vendaval de Carnaval. Ao clicar neste título em Marcadores (na coluna ao lado), os outros poemas poderão ser lidos. 



se vierem administrar
vamos gargalhar.
se vierem gritar
se vier propaganda eleitoral
vamos gargalhar.
se fotografarem
se institucionalizarem
se atrapalharem
todo mundo já sabe, hein
vamos gargalhar.
se quiserem acabar
vamos batucar
se quiserem explorar
vamos reclamar
se quiserem me vender
se falarem em inglês
todo mundo já sabe, hein
vamos gargalhar.


4 de mai. de 2013

CRUZAMENTOS (Carne e Vendaval de Carnaval II)



lá na esquina 
o arcanjo branco
e o diabo vermelho.
na outra esquina 
são jorge e o dragão.
na outra, dois homens.
duas mulheres, na outra.
nas esquinas da cidade
uma cigana, um índio
um pirata, uma onça.
nas esquinas da cidade
nas ruas, nos becos
nos cruzamentos
a cidade inteira passa
como se passasse
por uma rua das cruzes.


24 de abr. de 2013

CARNE E VENDAVAL DE CARNAVAL I

Esta é a primeira postagem do grupo de poemas que se chama "Carne e Vendaval de Carnaval".  Os poemas receberão a etiqueta com o mesmo nome.




foi pelos lábios abertos
que se abriu
a rua.
foi pelo céu do contentamento
que começou 
a dança.
foi pelas mãos erguidas
das pessoas
que se abriu a noite.
mas nisso tudo ainda há
o sorriso.
foi certamente por ele
que tudo se abriu
e juntos nós entramos.
agora dentro do sorriso
ninguém quer sair
ninguém pode fechar




4 de abr. de 2013

NU Nº 4



a nudez clareia sozinha
quantas vezes me disse
se não houvesse roupa 
não haveria nudez alguma,
que o tecido de desnudar
veste a existência da nudez.

sua voz quando isso diz
se esconde, se esquece
de ver nos olhos a centelha
do corpo em simples ver.
veja: não vela nem desvela
a nudez se desnuda sozinha.

16 de mar. de 2013

EM CADA CANTO HÁ UMA LUA


I
em cada canto há uma lua
que surge e na qual habito,
como quem vai para longe
e faz da prata a sua luz.
quando me canso da terra
me despeço de todo mundo
sem dizer, gritar, interrogar

quando me canso da terra
vou embora para a lua:
esta que flutua nos cantos
vista na altura dos olhos
passante no meio da rua

II

há coisas que são lua.
mas nunca sei onde ela está
no leste ou no oeste
na esquina ou no quarto.
sim, cintila muito antiga
mas nunca sei onde está:
de repente as luas caem
feito pessoas que são lua:
chegam, não me lembram
deitam em mim e desço
mas nunca sei onde está

III

quando me canso da terra
vou embora para a lua:
mas não vou para ficar
(quem fica desgosta)
então, volto no passo de ir
e quando novamente vou
volto no passo de não ter pisado 
em nenhuma outra terra
senão nesta
nesta mesma em que vivo lua

19 de fev. de 2013

TOPÁZIO




mas aquele topázio
no modo de ser bruto
que expõe e guarda
sobre a estante
nele há uma grandiosidade
uma força de convite
que se vê em seu olhar
e assim é por ser castanho,
buscando feito uma luz
que bem sabe minerar.
quando ao lado se senta
nada é estranho ao que se associa
é que entre a pele e a pedra
é que entre o corpo e a terra
há uma cor que se vê
que imagina e transa
no tom de ser moreno.

O poema Topázio foi publicado no blog Brasil em versos - AM. Agradeço ao editor Carlos Costa. Para visitar, clique aqui.

16 de fev. de 2013

Vídeo-poema de CHUVA

O vídeo-poema "Chuva" foi publicado pelos Poetas de Marte. Agradeço. Para visitar, clique aqui
Jefferson Bessa.

27 de jan. de 2013

HOJE TEU CORPO NÃO SE APROXIMOU



hoje teu corpo não se aproximou
se fixou na exibição de ter corpo
se deitou solitário sobre a cama
esteve comigo, mas não foi corpo

me fez até buscar o que não se busca
procurei o que não se deve esconder
se fixou tanto na tua beleza de vitrine
que congelou o que no corpo é errante

17 de jan. de 2013

O MUNDO E O FIM



nas vozes se ouve um túmulo
desejado por muitos séculos.
tornou-se pedra nas entranhas.

para essas vozes que dizem
sempre as finalidades de tudo,
fácil é deduzir que desejam

uma finalidade para o mundo:
basta lembrar as conclusões
os resultados, os juízos finais.

como respiram diversas destruições,
a finalidade do mundo deve ser
uma, a que põe termo em tudo:

o fim do mundo.