29 de jan. de 2010

ser desconhecido


quis o nunca visto – o nunca conhecido.
é como olhar o profundo de um poço;
não ver, mas saber – lá está ele.
e quis assim conhecer o desconhecido

ainda assim desci ao profundo
escalando todas as paredes doentias
em novas loucuras de pedregulhos
desci na busca do novo desconhecido

mas encontrei e conheci o fundo
me perguntei com o corpo já boiando
se na verdade nadei em águas estranhas
uma vez que cheguei, vi o desconhecido

sorri e voltei à borda do mesmo poço
e neste lugar ficarei para não mais sair
o que se desconhece deixarei lá onde está
simples: existe no ser desconhecido

agora desaparece por inteiro esta palavra
nem posso mais escrevê-la, nem dizê-la
– quando dita diz sua morada
uma palavra sempre diz sua existência

foto sem crédito encontrada na net

26 de jan. de 2010

mais cedo mais além

meus pés amanheceram hoje mais cedo mais além
do nosso sexo ontem à noite

meu passo acelerado pela casa me traz de repente agora
esta fotografia feita há três dias:

de pé fiz esta pose sem rosto - ombros e peitos estufados
de um corpo bajulador

cedo lavei todo o odor de sua mão que me passou no descanso e
no declive visível de meu pescoço

pensei – me lembro - na passagem e assim me coloquei inteiro
na clareza da escada do tempo

sob a capa do breve e do imperecível o simples vira uma pedra
polida feito uma ideia sem saída do lugar

e minha pele se assassinada ficará ao servil de um espectro
que um dia a fez instrumento

agora já estou na cama - sem a volta - e ficarei até anoitecer
sob o lençol úmido de seu rio

e seu dedo na firmeza crescente por entre dentes já sinaliza a
face do mamilo trêmulo em minha língua

23 de jan. de 2010

O Branco e o Mal nos 'poemas-corpo'

Um amigo me enviou um email (fico muitíssimo grato) no qual me comentava sobre a influência do Mal nos ‘poemas-corpo’ e que, por isso, eles se tornam ainda mais fortes e belos, pois a arte maldita representa a grande e necessária infração moral. Contudo, em resposta, digo que estes poemas não estão sob o signo da maldição. Por isso, não são malditos.
A sensualidade maldita ou marginal toma força, sobretudo, com os românticos. E, depois, como se sabe, aparecem outros enquanto ecos. Sim, estão submetidos ao Mal. A presença da lascívia para a maldição e para a marginalidade se relaciona à transgressão de estar do lado oposto à moral “superior”. Assumem tal papel. E andam pelo lado selvagem. Sentem deliciosamente o prazer condenado. Descobrem que pode haver a beleza do Mal, porque há o Bem.
Os poemas-corpo entendem que ser maldito está no oposto de ser bendito, mas ligados por uma mesma linha que os dispõe bem próximos. Na mesma proporção, ambos se subjugam, porque ouvem uma mesma ordem, ao prazer do feitiço e ao prazer da bondade. Quem está no ‘corpo’ nem pensa em lançar flechas ao que liberta nem ao que reprime. Há uma satisfação que não está no corpo por si, mas em senti-lo. E que se eu disser o que ele é não o será mais. Sinta-o.
Mas, se os poemas-corpo transgridem, conforme você diz, isso o fazem porque não querem transgredir. Então, o branco – por ser o mais antigo – não está na oposição ao ‘preto’ (afirmação que faz alusão a um poema anterior). Ele é branco de uma leveza que não divide bondade nem maldição. É simplesmente corpo e, dessa maneira, vamos à direção certa das profundezas superficiais da pele.

18 de jan. de 2010

branco

brilha sob a luz desta noite
e vaza do corpo profundo
o mais branco e mais antigo
- branco líquido de leve tinta.

molha por inteiro este poema
como o branco dos olhos, do papel
do leite que se bebe - melando
a ponta da língua em cada verso.

ficar suspenso neste galho, nele
saltar, mover-se no balanço de deixar
vir à tona a camada do branco
que jorra de todo este poema.


11 de jan. de 2010

todo lugar vira outro


todo lugar vira outro.
quando chego já me retiro.
ou quero voltar. ou ir.
ou quero chegar. ou ficar.
é tão absoluto ficar onde não-fico -
solto-me do lugar e
na estabilidade de onde
não-chego
é que chego

o sempre transportar
ultrapassar portas
soltar–me de todas elas
subindo rampas
pontes e viadutos.
subo escadas
da minha subida no subir
a sempre dar saltos

saindo e entrando
pelo lugar que é outro.
contudo o lugar-outro
é tão correto, tão ele mesmo
que me retiro
e me vou para outro

eu e lugares independentes
desligo-me

faço estar onde não-estou

5 de jan. de 2010

luz laranja fim de tarde



na luz laranja fim de tarde
desce o odor de dourado táctil
na leitura erguida que abrasa

por entre o azul que cintila
se desnuda quente deste verso
o inundado vermelho da tez fina

na cor destes olhos vou deitar-me
mergulho do que no corpo percorre
para todas as cores lamber

feito o declive do tecido rasteiro
e quase plano da língua do sol
que eleva a coragem de ver corpo
*fotografia de Jefferson Bessa

1 de jan. de 2010

Aquário


toda coisa tem seu aquário
que a nado passa nessas águas.

contudo é de um azul encharcado
embaraçado entre algas.

confluência escorrida fluvial
na brecha aquariana de passar.

desce por um fio como rio
como braço estendido.

todo aquário nasce rachado
como o rio tem uma boca.

todo encontro é como enchente
para fora das suas águas.

Pintura retirada da net e sem créditos. Ela representa Aquário (décimo primeiro signo do zodíaco).