27 de nov. de 2010

linhas da boca (ou copo da boca)




beber no móvel de círculos
como se enrola a um pescoço.
balançar nas bordas
à beira das águas do copo
que a cavidade escancara

não é de vidro ou plástico
mas daquela malha das bocas
que resiste aos altos graus
do que entorna
sem agravo qualquer

apenas abrir os lábios
na finura de um céu aberto
que bem aos poucos sente
derreter feito a alvura de nuvens
quando do alto vêm molhar

apenas santamente abri-la
como quem se abre ao cálice
ou como quem brinca de abri-la
embaçar a janela num dia de chuva
para escrever e apagar

resvalar por bocas variadas
valer-se dessas águas quentes
cópula dilatada que desliza
aos dentes, à língua
ao palato duro, ao mole
ao céu, ao alto:
abóbadas da boca

19 de nov. de 2010

Conversas I

Comecei uma conversa interminável com um amigo. Por email trocamos palavras a partir de alguma coisa que se leu sobre o silêncio. Diria ele que esse início é um paradoxo. No entanto, para mim, como nada está em silêncio, não passa de uma extensão da fala. Tal conversa vou postando aos poucos neste blog.
Amigo: Gostei de ler “onde está o silêncio das coisas?”. O que tem a ver ruído com som? Um é incompatível com outro. Não sei como pôde pensar em conciliar.

Jefferson: Não pensei em conciliar. Não terá você em mente uma teoria da comunicação que entende ruído como uma interferência que acontece durante a comunicação. O estrondo de um motor, nesse caso, poderia ser ruído se atrapalhasse nosso papo, se não conseguisse me ouvir, não é isso?

Amigo: O motor de carro ou de ônibus é sempre um ruído, Jefferson. Interfere sempre um pensamento, uma conversa, um sentimento. Sempre interfere.

Jefferson: Não é um ruído, amigo. É a fúria das cidades. Interfere, claro. Mas ruído é som que nos ensina a inventar uma palavra, por exemplo. Ruído é o que produz o mar quando se movimenta; é estalo; é poesia. Som é o que se ouve dele. Estão juntos.

Amigo: Um prazer perceber o paradoxo do nosso diálogo. Do silêncio também se pode escrever.

Jefferson: Será que tudo não é paradoxo? Ou paradoxo é tudo? Mas o que é assim nem mesmo se define. Não se nega e nem se afirma. Basta dizer que o silêncio se apresenta em som. Não é uma questão de existir ou não. 

5 de nov. de 2010

sobre o silêncio, dizia o místico...

- Dizer menos para entender mais,
dizia o místico, dizendo ainda:
- Silêncio deviam fazer todos os homens
O divino em nós se transforma
Quando a boca se cala.
contudo a voz do poeta soou
e disse a ele que já queria seguir:
- Não há silêncio, a não ser que tenha se esquecido
De que se fala como quem ouve
E se ouve e se fala como quem canta.
lá foi ele e o poeta pensou consigo mesmo:
_ Coisa mais louca é viver no deserto da palavra
pensando que fora Dela está o oásis divino.