21 de jun. de 2010

FLOR NO COPO

fotografia de Josef Sudek


me lembro de uma flor
não foi posta em um vaso
mas em um copo cheio d’água.
sobre a mesa passava a existir
mais que qualquer outra coisa,
até mais se estivesse ali um ramalhete.
sobre a mesa se podia ver sozinha.
também a colocavam à janela - lembro.
enchia soberana o espaço
meus olhares focavam a solidão
olhava e olhava como se uma forte luz
pairasse acima das pétalas
finais que ainda se abriam.
mas pensava nela que não sentia
nem reclamar podia.

saída da terra, habitava agora a água
como se fosse aquática
para durar mais um ou dois dias
talvez horas, segundos.
para mim não era natureza
nem viva ou morta.
nunca entendi por que
era retirada de seu chão
que ficava logo atrás da porta
num jardim sem cercos.
seria apenas dar uns passos e olhá-la.
mas, não, sempre a retiravam da terra
para fazer habitar a água.

e assim a beleza da flor
se extinguia quanto mais e mais a olhava
num copo cheio d’água.
pensaram no ornamento
agradável e alegre da casa,
mas uma flor nunca sabe
que existe, nunca mesmo se sente
solitária dentro do copo,
mas eu que sinto
às vezes demasiado
em mim surgiu
(pela primeira vez me abriu)
a solidão em mim sendo
com aquele branco da flor
fora da terra
dentro d'água

(JEFFERSON BESSA)

7 de jun. de 2010

PÊSSEGO


nem pedirei qualquer coisa que lá esteja
estou no meio destas mãos que me arredondam.
e também o gosto alcança os dedos como
a ponta dos pés se levanta e no alto toca
o farto fruto da pele meio amarela
meio morena, úmida de terra e chuva.

ponha-me agora como um alimento fresco
que mordido nem saúde ou doença traz.

sem lavar, sem limpar a poeira do vento
ponha-me inteiro na vez calma da boca.
deitada aos pés por entre o lençol da carne
a árvore do corpo se descasca e desfruta
o gosto que se ergue já assentado na terra
como a nudez do redondo sabor de pêssego
.