30 de dez. de 2014

DA RUA SE LANÇOU UMA FITA



da rua se lançou uma fita
para dentro das casas
depois se lançaram mais duas

mas olhos que não fitam
não atravessam janelas
nem mesmo veem ruas

grandes fitas jogadas
mas depois varridas
desceram pelas escadas

a vassoura arrastou versos
que foram do chão ao ar
agora descem recolhidos

às nossas mãos voltaram
mas quem grande lança
acolhe o pequeno olhar

o que fazer de quem lê
vivendo apenas de varrer
as grandezas deste chão?

28 de nov. de 2014

ME CONCEDERAM UM EMPREGO


I

me concederam um emprego
nele não me emprego
nem ele a mim se emprega

somamos juntos um tempo vago
não o vago que se emprega
mas o solto que há no preso

me concederam um emprego
sem emprego nem martelo
não há elo e nem poderia haver

nem um prego na parede se prende
quando se prende está frouxo
quando frouxo trepida na ferrugem

II

o que se vê dos dias é o calendário
chegar dia cinco ou dia primeiro
o que se espera dos dias é o pagamento

sem me empregar recebo os dias
pagando o recebimento da ninharia
recebendo o pagamento da punição

nada se faz do resgate do vago tempo
reparo assim dos dias que se fazem
às mãos recebo a pendência mensal

não sei, mas levo às escondidas
em algum bolso da minha calça
um sorriso a isso e um desemprego 

mas o que foi mesmo que roubei?

25 de out. de 2014

HOJE ME DERAM DE LEMBRANÇA


hoje me deram de lembrança
poder me ver assim esperando.
por muito da esperança saber
viram o ponto final da espera

o que se pode saber da espera?
de tanto esperar me esqueci.
mas sempre alguém me lembra
é quando me armam uma cilada:

de que vale esperar desesperado
se quem me disse zomba de ver?
nele me vejo nesse pobre real
diz que esperarei nesta espera 

esquecido, caminho lentamente
às vezes me sento, me levanto.
quando dizem, querem me assentar
espero demais, ainda me dizem

18 de set. de 2014

PAREDE DESCASCADA


move-se o estalido que abre a casca
voz no canto inferior da parede
onde o horizonte do quarto se levanta

sem pressa o som se ergue
na parede a camada de vida vibra
a tinta se abre, desprende-se do concreto

o ruído crescente de galhos
a pequena árvore que irrompe
tronco espesso rente à parede
- madeira de casco denso – tremor de fissuras

rebenta a cor, sobre o concreto se movem as linhas
no quarto brotam as rachaduras
fraturas
cicatrizes

sobem linhas a caminho – rios se desenham
balançam como o vento de fora.
não há que ver por dentro
nada há dentro da tinta
não há nada atrás da parede
a descasca brilha na quina do quarto
logo ali onde se pode ver como fruto
como se abrisse pela primeira vez
sem saber ainda o sabor


Do livro "Nos úmidos planos das mãos"

31 de jul. de 2014

O SORRISO FOI DITO


o sorriso foi dito
por alguém visto
mas não houve sorriso
tampouco o seu contrário:
nem rosto fechado ou aberto.
onde o puseram?
de onde ele veio?
disseram: eu o vi no seu rosto.

pobre de quem não sabe ver
e me faz querer acreditar.
quem verdadeiramente sorri
nem mesmo se vê,
muito menos diz de quem sorri. 
quando há um sorriso
com ele sorri, somente.

9 de jun. de 2014

ESCREVER FITAS


escrever como quem lança
folhas letras sorrisos ao ar.
quando surgem estas fitas
todas as palavras dançam 

entram em festa de linhas
pois recebem teus olhares
passantes de ver sem fim
lendo chega perto de mim

mas não tenha obrigações
é triste ter de carregar fitas
arrastar para depois soltar
ficar para depois reclamar




em saltos para fora da folha
inicia-se no solto das mãos.
como quem lança serpentina
sentindo que mãos se lançam

desçam fitas que se escrevem 
fitando por ir do céu ao chão.
ler fitas caindo e caio em ti
para juntos ascendermos 

por entre teus dedos e mãos
teus braços, versos e fitas
se arremessar bem no meio
assim caímos bem entre nós

2 de mai. de 2014

GUARDA-CHUVA


quando abro guarda-chuva
não me guardo,
me abro e guardo gotas:
molhado feito o homem
que, antes de inventar
e abrir o guarda-chuva,
esperava, só, a chuva fina
e sob a árvore guardava
gotas das finas águas

por isso nada tão estranho
quando se ouve vou abrir
agora meu guarda-chuva,
porque há, sim, um cismar 
de alguém que se guardou-
da-chuva, talvez sem se dar 
conta de que vive um guarda-
da-chuva

mas quem guarda a chuva
se abre às gotas se esvaindo,
goteja junto dos telhados
desce fluente dos arames
se senta como uma poça
se deixa aguar de chuva fina
se deixa molhar, se enxaguar

15 de abr. de 2014

Hora da poesia

O poema "Hora da poesia" foi publicado no blog "Alma Acreana" do amigo Isaac. Agradeço por partilhar a nossa festa. Para visitar, clique aqui.

8 de abr. de 2014

Hora da poesia



a Hora da poesia
segue a festa de rua.
cada verso cai
entre cabeças e pernas
de quem vem dançar.
do céu o verso cai
desenrola e se embola
em fitas de escrita
desce feito serpentina

a poesia da rua anda
o poema segue e desce
na Hora de ser festa:
é rua e todo mundo
alegria de durar muito.
para além da semana
para quem assim quiser
a festa que acorda
pode agora sempre


O poema "Hoje vou escrever lua" foi divulgado no blog do amigo Rogel Samuel. Clique aqui.

23 de mar. de 2014

QUARTA-FEIRA DE CINZAS I



depois da quarta de cinzas 
o tempo passa 
na rotina morna de ver
num amontoado de restos.
depois da festa se vive
nas sobras, nas obras 
inacabadas da cidade.
a gente fica indiferente
as ruas os pés os olhares
tudo fica só neblina.
quanta bruma pesava
na alma desta pessoa
que inventou as cinzas!
a vida assim se esconde
o tempo se afoga incolor 
não tem afoxé, fantasia
nem dança, nem bloco
quase nenhum sorriso.
quarta-feira de cinzas
fecha os dias de poder
dançar e abrir os braços.
no resto dos dias cinzas
quando chegam a sufocar
atravessamos as migalhas
deixadas em alguma esquina
em algum olhar ou fantasia
de alguém que se esquece
e conta uma outra estória
saímos de nós e ali mesmo
sorrimos como quem dança
e sem nos ver dançamos
ali mesmo um para o outro.

16 de mar. de 2014

Portal EntreTextos



Agora assino também uma coluna no Portal EntreTextos com postagens de poesia e prosas (meus e alheios). Agradeço ao Rogel Samuel (de quem recebi o convite) e ao Dilson Lages Monteiro. Para visitar o site, clique AQUI.


23 de fev. de 2014

EU RIO O RIO





quando se diz eu rio
se abre no rir do rio,
lento na curva se vai
formas se encostam

na sua certa errância
o verbo assim existe
quando não se antepõe 
ao eu somente pessoal

quando o rio se alarga
passa calmo sem voltar
se abre rio nos lábios
o eu rio vai com o rio

à beira do verbo o som
de água na boca se faz
se desfaz o que estranha
escorre em língua de rio

não tem jeito, quem diz
eu rio não se diz de si
diz no rio e nele os lábios
passam pelo rio rindo


O poema "Eu rio o rio'' foi divulgado no blog de Rogel Samuel. A foto escolhida pelo amigo também aqui foi inserida por estar em perfeita harmonia com o poema.  Para visitar, clique AQUI
Com a mesma honra, informo que o poema foi publicado no blog Alma Acreana de Isaac Melo, clique AQUI.  Obrigado!

4 de fev. de 2014

ONDE FOI QUE EU VIM PARAR?


onde foi que eu vim parar?
me largaram nesta terra
nesta em que só se tem
pés e passos que saem
para estar em outra terra

nem se vê simples o solo
pois antes do chão se vê 
o céu. Mas deste nada brota,
nada rebenta, nada rasga
e mantiveram os pés no céu

deste dia pra cá se perdeu
o azul, o marrom, o lilás.
por isso aqui me pergunto
onde foi que eu vim parar?
nesta terra sem terra alguma
neste céu que é outra coisa

desses olhares à distância 
ao meu redor me cerquei
me prendi e aqui parei.
de tanto ouvir ao longe
fico e imagino outra terra
cansado do que não existe

dizem que me aborreço
desta terra, de estar aqui.
nada disso, nada disso!
esgotado de ter que sair
dela - disto estou cansado -
de olhos que olham pra lá

às vezes me põem algemas
estas de rejeição e ojeriza
e fico em linhas cáusticas.
sem dar por isso me deixo
às vezes ir para esta noite
pobre, cheia de sono pesado

daí olho para o chão e sorrio
e vejo que devo retirar o céu.
não o céu azul acima de mim
mas este que roubou o chão
que leva ao "onde vim parar?"
no qual eles insistem em pisar

2 de fev. de 2014

Um poema no blog Alma Acreana

O poema "A palavra do poeta" foi divulgado no blog Alma Acreana. Muito agradecido. Para visitar o blog, clique aqui.

5 de jan. de 2014

A PALAVRA DO POETA


"onde estão teus versos, poeta?
me lembro de teus alexandrinos
de teus ritmos, de tuas palavras!
recite um para ouvirmos
canta ao menos um
canta aqueles versos livres,
aqueles altos, dançantes.
pode ser áspero, pode ser úmido
canta, poeta!
onde estão teus versos?"


"meus versos silenciaram
não tenho mais alexandrinos
não tenho mais versos livres
o que escrevo é o silêncio.
as coisas precisam dormir.
não sei cantar, apenas sei falar
mas as palavras nada dizem
vou seguir meu caminho
já usei muitas palavras, preciso ir
outros virão, outros chegarão"


"canta, então, teu silêncio
o silêncio de teus versos acordará a rua 
com o contentamento de ouvir.
nesta rua não temos mais os sinos
ensurdecemos para badalos pesados
nunca mais os ouvimos, pois sempre 
nos levam a lembrar, a lembrar
a lembrar de tudo que nunca fizemos.
canta, agora, para esta rua.
sem palavras tu não és poeta
serás aquele homem que há pouco passou.
lá foi ele, seguindo cabisbaixo e rouco, 
pensativo e mudo.
canta, então, teu silêncio!"


"não, meu amigo, onde a poesia está
o silêncio não pode estar.
o que não diz não é poema
e eu tão cansado de palavras 
me deixei silenciar"


"mas tu não podes esquecer
quando te ouvimos, as palavras cantam
o cansaço provém da tua desconfiança.
canta, homem, diga um verso
e verás que o que se diz se levantará. 
canta! todos os ouvidos,
toda a rua se levantará contente.
que seja um verso de tristeza!
canta, verás que todos se levantam
todos se levantarão como um só
ou com muitos sós.
tua palavra bem queima, bem molha.
a quem deste a tua audição? 
de quem ouviste este engano?
se deixou ouvir alguém sem ouvidos?
o silêncio não vive para ti
vive para alguém como aquele homem
frio e arrogante de palavras
mas tu és poeta
não podes esquecer:
quando na palavra o mundo chega
com simplicidade sabes levantar
pois com o vento estás.
mas tu és poeta
não podes esquecer:
quando tu escreves,
tudo dança"