9 de nov. de 2020

Fotografia: Árvore I


 Fotografia de Jefferson Bessa (2017)

15 de set. de 2020

DIVERSÃO

 

A diversão se diverte em satisfação
Mas assim nada há de diverso
Se divertem idênticos, comuns
Estão lado a lado, juntos
A um só grito em única direção

Diversão explode em estilhaços
Contudo permanecem enfileirados
Voltados para o mesmo centro
Se deslumbram no mesmo riso
Se penduram na mesma linha

Quem se diverte aparta, vira as costas
Dispara em diversas ruas
Afasta o que foi imposto
Se volta para o lado do outro lado
No sorriso de mundo que dá voltas

Se divertem os que divergem
No desvio incessante sem ponto
E toma o rumo da reviravolta

Se diverte o se virar para o diverso
No sorriso de afirmar a versão
A diversão vira outro avesso

9 de jul. de 2020

Serro (Minas Gerais): poema


Foto de Jefferson Bessa

A entrada de Serro parece embarreirar
afastar da incrustação de seus diamantes.
Rastreia a ambição das caminhadas
os passos seguem e retrocedem pesados.
Cercada de pontas de pedras preciosas,
as agudas pedras na Serra do Espinhaço
espetam a entrada. Interferem a passagem.

Ao largo aponta para todos os ângulos
e crava aos olhos o pico do Itambé.
Posto bem ao alto parece fiscalizar:
ninguém extrai, ninguém se perde.

(A entrada parece ser controlada:
talvez pelos espectros dos dragões
prontos a atualizar as interdições.
Os espectros vivem mortos,
Exigem o contrato de extração.
Não tenho como pagar os direitos régios!
(Não disse tributos, talvez fosse preso.
O governo desterrou um frade
ensinava aos leigos a diferença)
Disseram que os córregos eram do rei
já foram nomeados "Quatro Vinténs e Lucas"
e que eu poderia sofrer o castigo do desterro 
para Angola, Índia ou Nova Colônia
e disseram ainda que os diamantes...
Enquanto falavam, se desfaziam aos ventos
e os dragões passaram para o fundo da cena)

Ao entrar, a cidade parece querer expelir.
O vermelho barro se espalha pelo chão
saindo das brechas das pedras do pavimento.
A cor resseca os olhos e a respiração
o peso das ladeiras desce pelos cantos.
Lá no fundo, Serro parece se esconder 
cercada de morros, montanhas, vales.

No topo da funda cidade sobressai a igreja
a pequena Igreja de Santa Rita parece vigiar.
Contudo não existem mais aquelas sentinelas
agora em seus degraus se pode sentar
e o silêncio da cidade vigia nosso olhar.

Mergulhada ainda nas suas riquezas,
sua superfície cintila camadas espessas:
depósitos invisíveis de minérios 
reluzentes pelos banhos do tempo
cravados em preto e branco de pedra.
Brilho sem corrida, de calma rigidez.

Cintila não da luz de ouro e diamante
mas da onda e da irregularidade do branco
cristalino no espectro de ladeiras e casas 
incrustadas de pedras não extraídas.

5 de jun. de 2020

Que olhar me foi lançado agora!


De repente constato que não é um olhar
Tão tranquilo, mas o dia está arejado.
Há naquele olhar um disfarce
Não tão claro como a hora do dia
Uma sombra quer esconder.

Sentado começo discretamente a olhar
Como quem aceita os comandos visuais.
Seu olhar continua a lançar o que quer
Mas ainda distante, tem pouco efeito.
Se aproxime - então começo a ouvir a voz.
Voz mansa e firme ao mesmo tempo
Perturbadora, envolvente, incisiva
Porém a suavidade predomina.

Enquanto fala e olha, a roupa também se diferencia
Aos poucos a postura, os gestos, a humildade se levantam
Tudo se mostra correto, superior, modesto.

Lentamente a sua distinção começa a falar por si.
Vejo de maneira quase imperceptível
O modo como se senta, olha e gesticula
Tudo ao se redor se torna inferior.
A roupa super discreta dispara
O conjunto se lança ao alvo:
O rancor e a arrogância de suas virtudes.
Faz disso a maneira de inferiorizar os outros
Para se tornar exemplar.

Ninguém podia imaginar
A sua humildade não se contestava
Mas agora se encharca falsa e severamente.
Talvez esteja querendo despertar inveja
Mostrar que sua bondade deve ser seguida
Talvez tenha o prazer de punir os diferentes
Com a docilidade na voz para lançar o desprazer.

O dia hoje está claro, arejado, tranquilo
As virtudes têm suas sombras.

27 de mar. de 2020

O que houve?

Lá fora estala,
Os fogos reluzem,
Explodem gritos.
O que houve?

É a rebelião do povo?
Ou a ditadura anunciada?
(Aclamada ou rejeitada?)
Ontem os senadores aprovaram
A reforma da previdência.
Será que foi anulada?
Corro para a janela,
Mas não há ninguém na rua.
As casas estão todas acesas,
Gritos e vozes em polvorosa.
Não vejo ninguém passando,
Mas persiste a grita caseira.
O que houve?

Mais uma festa de santo?
(Hoje não é dia de santo!)
Deve ser carnaval fora de época.
Mas a rua está deserta.
O que houve?

Ficarei aqui esperando,
Esperando alguém passar.
Minutos depois, outra onda de agitação.
Foi quando saiu um grupo de casa aos pulos.
Todos estavam alegres.
Era mais um gol do Flamengo.

2019

19 de mar. de 2020

Portal Entretextos

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10 de fev. de 2020

Alcântara (Maranhão): poema



Foto de Jefferson Bessa

A vida cresce e definha em Alcântara
Ao passar plantas parecem esconder
Pedras parecem brotar nos cantos.
Os vazados das portas se enchem
De fora e de dentro, todos se abrem

A vida sustenta a corrosão e atravessa
Casas sem tetos, escadas não concluem.
Pelas ruas velhos alicerces surgem
Ao lado de flores brancas e murchas:
O sol e o tempo esmaecem Alcântara
E fazem erguer do chão tempos ao céu

Ela vaza expectativas e decadências:
Decai à espera pelas riquezas
Se levanta no concreto de ruínas
Decai à espera pela realeza
Se levanta no presente do passado
Decai à espera pelo convento
Se levanta no abandono das ambições
Decai à espera pelos que desistiram
Se levanta no pelourinho que ainda castiga
Decai à espera pelos escravos na Amargura
Se levanta na resistência de quilombos
Decai à espera pelos que lá deixaram 
Na portada seu símbolo
Se levanta à espera pela festa do Divino
E decai na dureza das casas coloniais

A noite de Alcântara emite ruínas
Nas luzes baixas de seus lampiões:
Vozes, ecos, desmontes, quietudes.
Ao amanhecer, ela se ergue e decai
Voltada para a Ilha do Livramento

2020

6 de jan. de 2020

Francisco Brennand, ceramista e artista plástico, morre aos 92 anos no Recife


O artista plástico e ceramista Francisco Brennand morreu em dezembro de 2019. Postarei um poema escrito em 2015, logo depois da visita ao museu-cidade na Várzea, bairro de Recife. Não o conheci pessoalmente na ocasião. Porém, assim que escrevi o poema, resolvi enviar-lhe por e-mail. Muito atencioso, respondeu alguns dias depois. A cidade-mundo de Brennand, certamente, desperta, acorda, enfim ERGUE quem a ela chega. Obras de coragem, obras de mão e fogo, obras que se levantam entre terra e fagulha ao mais elevado. 

A Francisco Brennand *


o fogo se sente ao chegar
pois à vista tudo cresce
mas a plenitude de arder
como sempre está por vir
no forno queima ao entrar.

forno de fogo invisível
escuro claramente feito
por isso também visível:
faíscas de ruínas refeitas.

pela escuridão das paredes
se entra em uma caverna
- fornada - e nela se queima
pois tem paredes de carne
negra vermelha cerâmica.

quem não entra em vapor
na noite desta iluminação
mais luz não poderá ver.
quem sente o intenso calor
esquece a luz do visto antes
para acender o ver depois:
seu escuro o corpo clareia
sente-se oleiro: se faz no feito
pois refeito - feitiço do fogo.

na epiderme fagulham argilas
em água, em ar de conversão.
brasando entre pele e visão
quem entra se desfaz refaz
feito jarro de santuário viver
pois se obra do direto fogo.

no hálito de magia fagulha
acende-se num fio de fogo:
do escuro ruínas se erguem
das cinzas o barro se refaz
e sair se refaz feito entrar:
o que se abre na escuridão
refaz na alma o vir à luz
no oval dos arcos do céu.

mas a plenitude de arder
já que sempre está por vir
queimará ao sair do forno:
o que obra nos faz ovular
pois transfunde todo o ser.


* Na cidadela de barro do artista, existe um forno que foi mantido como parte do museu.