26 de ago. de 2009

Vou sair. Andar.



É como entrar numa sala sem ser chamado
Ouvir uma voz estrondosa que não diz.

Minha vontade sempre me embaça. Fico no além.

Assim entrei em tantas salas e saí sem saber o que olhar.

Mas também não ficarei na antessala.
Não vou esperar.
Vou sair.
Andar.

Entrar nas coisas sem ser chamado não convém.
Convir é quando venho com o que me chamou.

Vou sair.
Andar.
Nem ficarei na antessala.
Esperar não convém.
O movimento, por ora, me convém só ao chão pelo qual caminho.

Quero vir junto com as coisas. Para tanto vou andar...andar. É esse o caminho.

Ficar quieto. Prestar a atenção ao que me chama.

Penso se haverá algum vocativo para eu ouvir...
Mas não há. Quando me aquietar não haverá nenhum vocativo.
É certo. Nenhum vocativo.
Chamar é nomear. Não quero nomes apenas. Não haverá só chamado, portanto.

Andando ouvirei o convite do que me cerca.
Do que me cerca, não. Nada me prenderá.

Andando ouvirei o convite do que me move.



(Jefferson Bessa)

17 de ago. de 2009

A Harmonia na Leitura de um Clássico


Existem excelentes poemas que são leituras a partir de textos clássicos. Acredito que nessa relação direta não há nenhuma angústia, nenhum combate de leituras, nenhuma oposição. Ao contrário, percebo, ainda quando o poeta se distancia inteiramente do poema lido, uma grande harmonia. No que se pode identificar destruição ou guerra vejo somente o artista tentando criar no seu tempo, na sua forma, pois aquilo que se tornou modelo a ele não se adapta mais.

A referência a um outro texto por si só já apresenta o acolhimento ao clássico. Mas que nada tem a ver com submissão ou superação (esta ação se ajusta às guerras). Nas artes esse respeito é harmônico, pois se aprende que cada diálogo simplesmente se faz porque surge uma criação - surgindo também um gesto que se eleva. Mas tal momento somente acontece quando o artista se conhece desconhecendo-se. Trabalho dificílimo.


Uma grande obra, nesse caso, acontece pela grande harmonia que um artista que se propõe a criar a si próprio. Essa harmonia se constitui também por um grande diálogo que não se opõe à tradição, mas que se harmoniza com os clássicos. Com isso se pode verificar que uma obra se constrói não pela oposição, mas por um acolhimento do outro.


Ler o outro é se permitir a aprender a conhecer por desconhecer a si próprio. É um caminho que precisamos atravessar atentamente. Sendo assim, não é um confronto que restringiria o outro a um elemento opositivo. O que há de criação se perde caso se dê valor ao que há de contrários. Certamente um jogo dialético limitado e violento. Diante de um traço harmônico de leitura se vê a tentativa de um poema fazer jus a outro. Um poema que se volta para um clássico se torna grande por um traço que ressalto no momento: a leitura harmônica que faz criar um outro seu. Na verdade, a leitura é esse grande  esforço por alcançar. 


Jefferson Bessa



8 de ago. de 2009

Poema


Caminha, poema, ainda mais e mais incendeia todas as línguas:
Essas grandes que falam
Da tua poesia

Como de lógica.

Leva em suas costas só a bolsa pendurada com o peso da poesia
Nos teus braços, deslizando
No que envolto

Dele é físico.

Caminha, poema, a uma viagem sem chegada. Passa sozinho
Para ouvir o mundo que ao teu lado
Diz nada saber

De traços últimos.

Limpa os corredores de tua poesia trancando as portas da poeira
Dessas vozes altas das verdades
Que tua forma queimam

Como lâmpadas.

Caminha, poema, pelo chão não canses de teus passos lidos
Amanhã logo após a chuva
Tuas letras ficarão

Apenas úmidas.