13 de mai. de 2022

FOTOGRAFIA: ÁRVORE VI


                                                       Fotografia de Jefferson Bessa 

2 de dez. de 2021

1 de set. de 2021

Diálogo com o Gonçalo de Manuel da Nóbrega ou Onde está o terceiro?

 Gonçalo Alvarez: – Não há homem en toda esta terra, 
que conheça estes, que diga outra cousa. 
Eu tive hum negro, que criei de pequeno, 
cuidei que hera boom christão e fugiu-me pera os seus: 
pois quando aquelle não foi boom, não sei quem o seja.
Livro 'Diálogos Sobre a Conversão do Gentio"  
de Padre Manuel da Nóbrega

Ouviu o diálogo sem voz
Fugiu, abafado pelas conversas
Conversões e imposições.
E minha voz sobre ele vaza,
Nada se pode dizer por ele.
Sua voz sempre escapará:
Desceu as águas do Juruá?
Se banhou no Tapajós?
Viu os seus nas margens do Japurá?
E minha voz vaza, desliza, embarga.

Não se ouve uma palavra
Mudo na cena se vê o indígena
Exilado na sua terra sem voz
Cortado por palavras de mandamentos:
mandados, mandos, comandos
De decálogos em pedras fundados
Pedras que, antes de tudo, soterram pedras.
Palavras que, antes de tudo, calam palavras.
E minha voz vaza, desliza, embarga.

(Mas agora, Gonçalo, lhe direi diretamente:
Minha voz embarga 
Por ouvir a tua voz  
Tão exposta, tão orgulhosa 
De tuas manobras de pregador.
Mais do que isso
Minha voz embarga por não ouvir
A voz do outro que fugiu de tuas malhas
De tuas pregações que pregam teus pregos.

Gonçalo, de quem o retiraste pra criar?
De quem o arrancaste pra dobrá-lo aos teus verbos?
Tenho pra mim que ele fugiu de teu Cristo
Quem é Cristo senão mais um entre os deuses?
Não seria ele um deus mais jovem que Tupã?

Não o ouço, não posso ouvir a voz do outro.
Por que ele fugiu, Gonçalo?
Porque não era bom cristão!?
Ora, vejam como um pregador executa.
Onde estão as palavras do fugitivo?
Não estão escritas. Não podem ser lidas.
Se podem ler teus lamentos, teus desejos
E tuas vaidades de bondades.

O que se lê de tuas palavras são dedos
Que cavam pra depositar palavras sob a terra.
Linhas nobres de Nóbrega
Ares de grandezas
Linhas hipócritas de pregador
Virtudes nas sombras da conversão.

Muitos pensarão que sou audacioso por dizer assim
Ora, ora! Querem que eu não leia o que não está escrito?!)

Minha voz se abriu perante as palavras de Gonçalo.
Mas ela ainda vaza, desliza, embarga.
A voz do outro sempre escapará:
Desceu as águas do Juruá?
Se banhou no Tapajós?
Viu os seus nas margens do Japurá?



 * Mantive na epígrafe o português original do texto.
 * Os colonizadores portugueses usavam o vocábulo 'negro' para se referir aos indígenas. 

9 de ago. de 2021

ENCONTROS



nada origina um movimento

nada por si se move

nada o outro move sozinho

nada se move sem mover outro

mesmo sem mover se é movido.

mesmo sem motores, sem ação

na inércia ou no lugar

nada vive em solidão.

15 de jul. de 2021

Fotografia: Árvore IV




Fotografia de Jefferson Bessa (2021)
 

10 de jun. de 2021

VÍRUS



Há nas ruas a virulência da violência
Pelo vírus ela adentra as células
Se expande pelas massas do cérebro
E arrasta a massa de manobra

Escorre entre eles o líquido fétido
Que arrasta corpos para cemitérios.
Sozinho o vírus não se mantém vivo 
Nas ruas eles recebem seu déspota

Passam juntos e lançam uma gosma
Excreção organizadamente ridícula.
Espirros, tosses, discursos expelem
Vírus de genocidas em gotículas

Amontoados produzem alheios caixões
Carregam os seus nas próprias mãos.
Nefasto, submisso, pobre espetáculo!
Queria agora os versos de um sátiro!

28 de mai. de 2021

TRAZ CORPO


Traz corpo
Me leve a tocar
A tocar 
Com olhos

Se deixe 
No escuro,
Sossego dos sentidos.
Veja o toque 
Na pele.
Ouça o trêmulo 
dos ombros.

Olhos quase cerrados
Largados sem ideias

Traz corpo
Me leve 
A ouvir
Encoste com que ouço.

Fale baixo, 
Bem baixo.
Fale ondulações
E orvalhos

Traz corpo
Afastemos um do outro
Agora à meia-luz
Olhe em toque.
Traz corpo 
Ao ver

3 de mai. de 2021

EU RIO O RIO



quando se diz eu rio
se abre no rir do rio,
lento na curva se vai
formas se encostam

na sua certa errância
o verbo assim existe
quando não se antepõe 
ao eu somente pessoal

quando o rio se alarga
passa calmo sem voltar
se abre rio nos lábios
o eu rio vai com o rio

à beira do verbo o som
de água na boca se faz
se desfaz o que estranha
escorre em língua de rio

não tem jeito, quem diz
eu rio não se diz de si
diz no rio e nele os lábios
passam pelo rio rindo

2 de abr. de 2021

Fotografia: Árvore III



Fotografia de Jefferson Bessa (2017-2019?)

1 de mar. de 2021

Salivar e suar frio de branco

Me pintaram todo de branco
Estou úmido de branco
Me banharam de tinta e voz.
O mesmo branco da parede do quarto
Já passado, desbotado.
Amanhã virão aqui me pintar
Passar em mim mais uma demão
Me lambuzar de espessas camadas de tinta

Luís, o vendedor, sempre revende tinta importada
Tinta europeia, não há melhor para tingimentos
Esconde, faz a absorção completa, absoluta
Por isso se sobrepõe às demais.
Logo no início, a pele cria uma crosta
Depois entranha, resseca, dura como pedra
Pedra polida do branco, pedra intacta
Tudo feito de matéria pensada
De pensamento alvo para tingir o alvo
Pedra cuidadosamente feita com faca amolada
E atinge em cheio, fica cravada na alma

(Me lembrei do rapaz que se matou.
Segundo a mãe, ele dizia que voltaria branco
Acreditava em reencarnação
Morreu com o branco encardido na pele e na alma
Ninguém sabe se voltará, mas o branco o tingiu e atingiu)

De repente, comecei a salivar e a suar frio de branco
Não me venham os lógicos e os físicos dizerem
"Branco não é cor, é a junção de todas as cores"
"É cor por causa da ausência ou presença de luz"
Ah, não quero esses saberes!
Fiquem bem longe, vocês, Luís e seus significados.
Não venham me encher de claridades
Físicas, metafísicas, solares, diurnas.
Não me venham com tingimentos
Etéreos, deturpados, arrogantes, soberanos.
Fiquem pra lá com seus reis, histórias e deuses solares.
O que tenho agora? O branco antigo 
Cada vez mais encardido.
Vejam a rua, todos olham, comem, se apaixonam
Compram, choram e riem brancamente

Estou entranhado, suado da sujeira desse branco
Estamos sujos, embaçados, embaraçados
Entremeados nesse branco cinza amarelo 
Que diz a tal pureza, as tais qualidades superiores.
Não me venham com seus símbolos de alvura
Essa frescura idealista, essa frescura de inocência.
Devem ainda imaginar que sinto o resquício
De todo o frescor desse tingimento, pensamento. 
Pois bem, fiquem longe com suas canduras
Voltem com suas brancas de neve e cavalos brancos
Já não aguento mais esses signos
Metáforas de cisnes, auroras e luzes
Todas essas mercadorias límpidas.
Caiam fora, não perturbem
Levem suas noivas, suas virgens e limpezas espirituais
Me deixem em paz e levem suas pombas da paz 
 
Vejo por fora a casa pintada de branco
Mas o que tem por dentro também se fez branco.
Pintaram tudo, tudo!
Que cor tem as paredes, os sentimentos, os pensamentos?
Encharcaram as superfícies
As fibras absorveram
Pintaram tudo de branco

Procure imaginar que cor teria a alma, se ela pudesse ter.
Busque a cor da alma, ainda que não acredite em alma.
Logo me vem a imagem do branco translúcido.
Pintaram até a minha imaginação, 
Não imagino, portanto. Não tenho outras cores.
Muitos por aí supõem que imaginam, coitados!
Enquanto eu, vivi até agora com o que restou: 
uma ideia, uma imagem, um sentido,
A ideia que faço de mim feita por quem faz por mim

Ah, o branco, o branco...
Vejo muito bem, enxergo muito bem
Neste instante ainda mais, os sentidos aguçados
Estranhos, instáveis, ligados.
Digo com toda a certeza
Esta casa não é branca
Meu corpo não é branco
Esta tinta não é branca
Todos são o branco.
Acima de todos ele se impõe.
Vejo meu corpo, já não é corpo.
Antes dele, vejo o branco.
Assim como o branco da tinta
Da casa e da rua e das pessoas

Suprassensível é o branco
Substância suprema
Solidamente aquosa
arrogante, perigosa

25 de jan. de 2021

Fotografia: Árvore II

 


Fotografia de Jefferson Bessa (2016-2017?)