12 de set. de 2017

SEM OS PÉS



há muito acordo sem os pés
mas nunca me vi sem eles
mas hoje a manhã ardeu
sequer andei até a porta.

retiraram minhas pernas
como quem extrai ouro.
as veias crescem de novo
como as sementes lentas.

mas ainda não vejo as pernas,
mas logo serão retiradas
e agora meus pés doem
sem os ter nesta manhã.

doem as pernas sem elas
como se ainda as tivesse.
caminho sem caminhar
passo sem ter um passo.

a andança pelas ladeiras
é o cansaço de me levarem.
sem pernas me deixaram
assim acordei nesta manhã.

talvez um dia me devolvam,
sonhei hoje no fim de tarde
- quase noite - com as pernas.
a firmeza da noite começava.

mas ao acordar era manhã
a dor nas pernas ainda existia
sem elas as sentia e as via.
elas me ficam por extração.

Do e-livro Água Fria (2017)

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