17 de jan. de 2011

O HOMEM E A PASTA PRETA

I
um homem se sentou à mesa da frente
mais um dentre tantos outros:
com a pasta preta e sentado
não dá conta de que o olho
talvez tenha me olhado para se certificar
como de praxe faz em meio à sua função
de examinar documentos que redige

não seria exagerado, mas de relance pude ver
o modo como olha é o mesmo de quem olha
um certificado, dá por certo e carimba.
existe, sim, um carimbo nos olhos dele
segura o copo com quem agarra uma caneta
o leva à boca no jeito de passar e repassar papéis
e bebe tão forte como se na língua tivesse uma norma

II
a pasta preta o acompanha intimamente
com ela sobre as pernas e por entre os braços
a coloca tão fixa, numa posição tão certa
como uma filha carece de mãos paternas
para se erguer e, suspensa, ficar segura.
me observou por um instante - talvez desconfiado
de que meu rosto fosse um falso documento.
no entanto, eu não o olhava mais.

me restaram ali o chão e um pensamento.
quando me dei p’ra fora os vi seguindo:
o homem e a pasta preta.
andava carregando a alça num balanço de executar.
segurava como se estivesse voltando de um parque
voltando de mãos dadas à sua filha.
lá vão eles - tão dependentes – um dentro do outro
lacrados e perdidos num mesmo passo


O poema "O homem e a pasta preta" foi divulgado no blog "A vida é uma magnólia". Desde já agradeço pela presença no blog. Para quem quiser visitar, clique aqui.

9 comentários:

Zélia Guardiano disse...

Belíssimo, Jefferson!
Belíssimo!
Encantou-me...
Penso que temos, todos nós, cada um a sua pasta, toda feita de apego...
Enorme abraço da
Zélia

Amélia disse...

Será que posso divulgar?Um abraço

Jefferson Bessa disse...

Zélia, obrigado pela visita. Seja sempre bem-vinda! Grande abraço para você também.

Amélia, participar de seu blog é uma grande satisfação. Fique à vontade
Grande abraço!

Teté M. Jorge disse...

Uma intimidade burocrática da vida... cada um tem um pouco disso.

Beijos, poeta.

Jacinta Dantas disse...

Primeira vez que passo por aqui, vou lendo, mergulhando meus negros olhos no fundo negro da telinha...
e sinto o Ser se misturando e se tornando frio, previsível... tornando-se a própria mala que leva pela mão.

Unknown disse...

Jefferson!

Como conheço esse tipo que se apega à pasta preta. Normalmente é preta, e nem sempre carrega conteúdo.

São os executivos que se portam da mesma forma. Papéis e mais papéis.

Sim, conheço!

Um poema que descreve perfeitamente um tipo tão comum nos dias de hoje.
Devem precisar de respeito?

Maravilhoso!

Beijos, poeta!

Mirze

Anônimo disse...

Que linda prosa poética, meu amigo, nos amarra até o fim, até se sonha junto!

Beijo.

Fred Caju disse...

Cada burocrata com sua pasta! Jefferson, excelente seu espaço, camarada. Já estou até com vontade de voltar.

César Paulo Salema disse...

Caro J.
Amei o que escreve.
Roubei-o para o meu blogue A VIDA É UMA MAGNÓLIA (magnoliaviva.blogspot.com)
Visite-o.
De alma para alma.